Eleitos com discurso de mudança, vereadores novatos repetem vícios antigos na CMM

Câmara Municipal de Manaus (Foto: Reprodução CMM)

Eleitos com o discurso de renovação, doze vereadores novatos da Câmara Municipal de Manaus (CMM) têm deixado a desejar no quesito inovação na produção legislativa.

Com base nos dados de Produção Legislativa disponíveis no site CMM, o RealTime1 analisou a atuação dos vereadores novatos eleitos em 2024, considerando três critérios: quantidade de Projetos de Lei apresentados, frequência nas sessões e uso da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (CEAP).

A análise incluiu os parlamentares Aldenor Lima, Marco Castilhos e Saimon Bessa, do União Brasil; Pai Amado e Rodinei Ramos, do Avante; Coronel Rosses e Sargento Salazar, do PL; Eurico Tavares, do PSD; João Paulo Janjão, do Agir; Paulo Tyrone, do PMB; Rodrigo Sá, do Progressistas; e Sérgio Baré, do PRD. O vereador José Ricardo (PT) ficou de fora da análise por já ter exercido mandato anteriormente.

Desde fevereiro deste ano, quando começaram a apresentar Projetos de Lei, a promessa de mudança deu lugar a práticas já conhecidas da legislatura passada — e, em muitos casos, criticadas pela própria população.

O maior exemplo desse retrocesso é a proliferação de projetos que criam “selos”, campanhas e semanas comemorativas — iniciativas que pouco ou nada mudam, na prática, a vida do cidadão.

Só na criação de selos são seis projetos de lei: Selo Escola Amiga da Proteção Animal, Selo PET Friendly, Selo Estabelecimento Amigo do Autista, Selo Não é Não – Mulheres Seguras, Selo Empresa Parceira da Cidade na Geração do Primeiro Emprego e Selo Restaurante Amigo dos Autistas.

Apesar de bem intencionados, esses projetos não têm aplicação prática ou fiscalização, servindo, na verdade, para inflar estatísticas de produtividade parlamentar e encher currículos políticos com qualidades artificiais. Na legislatura passada, foram criados 21 selos ao longo de quatro anos.

Outro foco dos novos parlamentares que chama atenção é o número elevado de projetos voltados para pessoas com deficiência, em sua grande maioria ligados exclusivamente ao Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Embora o tema seja de extrema importância e mereça atenção recorrente, o volume de propostas quase repetidas demonstra mais uma preocupação com visibilidade do que soluções robustas de políticas públicas para esse público.

Algumas propostas buscam abordar assuntos de maior complexidade parlamentar, como incentivos à industrialização sustentável, criação de programas de microcrédito ou políticas de proteção animal. No entanto, essas iniciativas ainda são minoria em relação ao volume de proposições com impacto limitado.

Com 26 proposituras, o vereador Aldenor Lima se destaca pela maior quantidade de projetos apresentados, abrangendo temas diversos como proteção animal, políticas ambientais, saúde, acessibilidade e, claro, é o campeão na criação de selos.

Já o vereador Sérgio Baré tem o menor número de PLs apresentados entre os novos parlamentares, totalizando 7 proposituras, sendo cinco como coautor e apenas duas de autoria individual.

A avaliação geral é de que, até aqui, os vereadores novatos optaram por caminhos seguros e previsíveis, sem romper com a lógica burocrática e ineficaz que prometeram combater.

O excesso de propostas genéricas e de fácil tramitação — como selos e datas comemorativas — revela uma estratégia para acumular números e mostrar produtividade, mesmo que isso não se converta em benefícios concretos à população.

A ausência de projetos mais estruturais — voltados à mobilidade urbana, infraestrutura, transparência, fiscalização ou melhoria dos serviços públicos — reforça a impressão de que a renovação ficou apenas no discurso.

Foco temático dos novos vereadores:

  • Aldenor Lima apresentou o maior número de projetos, com forte atuação nas áreas de proteção animal, meio ambiente, direitos das pessoas com deficiência e educação inclusiva. Também lidera em propostas de selos e campanhas.
  • Coronel Rosse priorizou ações voltadas à segurança pública, direitos das mulheres e industrialização sustentável, com destaque para o protocolo “Não é Não” e o combate à inauguração de obras inacabadas.
  • Marcos Castilhos focou suas propostas nas áreas de educação inclusiva, acessibilidade para pessoas com deficiência, empreendedorismo verde e valorização da pessoa idosa.
  • Rodrigo Sá apresentou propostas voltadas à educação, infraestrutura verde, gestão de resíduos e apoio a mulheres empreendedoras.
  • Eurico Tavares concentrou seus projetos em acessibilidade sensorial, empreendedorismo sustentável, educação inclusiva e benefícios fiscais ligados ao autismo.
  • João Paulo Janjão misturou projetos voltados à educação, direitos do consumidor, esporte e valorização da pessoa idosa.
  • Rodinei Ramos seguiu por um caminho semelhante, com projetos voltados ao meio ambiente, autismo, inclusão social e transporte público.
  • Pai Amado atuou em temas relacionados à inclusão de autistas, educação para mães solo, idosos e sustentabilidade ambiental.
  • Saimon Bessa dividiu sua produção entre meio ambiente, padronização de prédios públicos, direitos de autistas e educação para o consumo.
  • Paulo Tyrone apresentou um volume considerável de projetos, com destaque para temas como empreendedorismo jovem, educação ambiental, autismo, direitos do consumidor e isenções fiscais sociais.
  • Sérgio Baré concentrou suas ações em benefícios fiscais para famílias com autistas, valorização dos idosos e saúde animal.
  • Sargento Salar teve atuação mais discreta, com foco em saúde mental nas escolas e exames toxicológicos para cargos públicos.

Apesar da variedade temática, predomina uma lógica simbólica e repetitiva, com propostas de baixo custo político e orçamentário, mas também de baixo impacto social.

O detalhamento da produção legislativa de cada vereador pode ser consultado neste link: https://www.cmm.am.gov.br/pesquisa-legislativa/.

Gastos do “Cotão”: quanto os novatos da CMM já usaram da verba pública

Alvo recorrente de críticas da população — e frequentemente usado como discurso de campanha por quem promete cortar privilégios — o chamado Cotão (CEAP – Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar) garante a cada vereador de Manaus um valor mensal de R$ 33.085,85 para cobrir despesas do mandato, como combustível, consultorias, passagens, divulgação, aluguel de escritório e outras finalidades previstas por lei.

Entre os vereadores novatos, os dados do Portal da Transparência da CMM mostram que Rodinei Ramos (Avante) foi o que mais utilizou a verba nos dois primeiros meses do ano: R$ 64,1 mil dos R$ 66,1 mil disponíveis no período.

Logo atrás aparecem Aldenor Lima (União Brasil), com R$ 63 mil, e Sérgio Baré (PRD), que, mesmo tendo sido um dos mais críticos aos gastos da Câmara durante a campanha, já usou R$ 61,8 mil do recurso.

Na outra ponta, os mais econômicos foram Eurico Tavares (PSD), com R$ 23 mil, e João Paulo Janjão (Agir), com R$ 30,5 mil.

Os dados se referem aos meses de janeiro e fevereiro de 2025, únicos disponíveis até o momento no site da Câmara Municipal. O detalhamento de valores e como cada vereador utilizou esses recursos públicos pode ser consultado neste link: https://www.cmm.am.gov.br/transparencia/cotas-ceap/.

Frequência no plenário

Cinco dos 12 vereadores novatos da Câmara de Manaus somaram 10 faltas quando deveriam estar no plenário para as sessões legislativas de março. Ao todo foram realizadas dez sessões plenárias durante o mês.

Veja o detalhamento por motivo:

  • Licença para missão oficial:
      – Pai Amado (Avante) – 2 faltas
      – Rodinei Ramos (Avante) – 2 faltas
      – Rodrigo Sá (PP) – 1 falta
  • Motivo de caso fortuito ou força maior:
      – Pai Amado – 1 falta
      – Aldenor Lima (União Brasil) – 1 falta
      – Eurico Tavares (PSD) – 1 falta
  • Atestado médico:
      – Rodrigo Sá – 1 falta

Apesar das ausências — e diferente do que acontece com um trabalhador comum — todos foram contabilizados como presentes no Portal da Transparência, já que as justificativas impedem descontos salariais e mantêm a frequência oficial intacta.

Aos poucos, os novos vereadores mostram que, embora tenham mudado os rostos no plenário, a lógica da produção legislativa segue presa a um modelo antigo. As críticas aos gastos com CEAP e as práticas de atuação continuam as mesmas daquelas que esses parlamentares condenavam durante as eleições.

A população manauara, que confiou nesses novos nomes como promessa de mudança, segue no aguardo de ações que façam diferença de verdade — e não apenas nos registros da Câmara.

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