Quem paga essa conta? Lula acelera, Galípolo freia e o mercado sonha com 2026

Depois de várias decisões de política monetária, os mercados ainda tentam juntar os cacos e reorganizar suas apostas sobre o rumo dos juros. No exterior, Jerome Powell repetiu o figurino habitual: reconheceu que a guerra tarifária de Trump pode pressionar a inflação — mas tratou o impacto como transitório, aquele velho eufemismo para dizer “vamos fingir que não é grave”.

Para completar, o Federal Reserve anunciou uma desaceleração no ritmo de aperto quantitativo: o balanço será enxugado mais devagar, em linha com a tentativa de oferecer um pouco de anestesia para os mercados.

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Por aqui, Gabriel Galípolo fez exatamente o que o mercado já tinha precificado com semanas de antecedência — entregou a alta contratada da Selic, com um leve aceno de que o aperto pode continuar em maio, mas em dose menor.

Em resumo, o aperto monetário ainda não acabou, mas o fim da linha está próximo — e só essa percepção já basta para empolgar ativos ansiosos por qualquer migalha de alívio. Mas convém reforçar o óbvio: política monetária, sozinha, não faz milagre. E no Brasil, onde o fiscal é tratado como um detalhe inconveniente, a chance de milagre beira o zero absoluto.

A aprovação do Orçamento de 2025, por exemplo, foi celebrada — mas apenas por encerrar uma novela longa e previsível. O texto, no entanto, continua vendendo a ficção de um superávit improvável, e todo mundo sabe que a realidade vai forçar ajustes. A pergunta é: este governo, que tropeça até quando tenta andar em linha reta, será capaz de conduzir esse ajuste?

Só que sejamos sinceros. O Banco Central continua tentando apagar um incêndio causado, em grande medida, pela política fiscal inconsequente. E o pior, o fogo segue alastrando. O governo parece determinado a reacender as chamas, flertando com medidas populistas para tentar reconquistar a classe média.

Lula já acena com novos pacotes de crédito — uma espécie de pedalada travestida de justiça social, mas que, na prática, é o equivalente a acelerar com o freio de mão puxado. Resultado? Contraproducente do ponto de vista econômico, insustentável do ponto de vista fiscal e conveniente do ponto de vista político. Vimos nesta sexta-feira (28), por exemplo, um dado fortíssimo de formação de emprego. Péssimo sinal para um BC que já pensa em parar de subir a Selic.

O problema estrutural continua o mesmo: gastar mal e gastar demais. E não há o menor indício de que o governo queira enfrentar essa realidade. Pelo contrário.

Para piorar, Fernando Haddad, que chegou a representar um verniz técnico dentro do governo, agora já patina na retórica eleitoreira. Tentou explicar a proposta de isenção do Imposto de Renda em duas entrevistas recentes, mas o “como” foi tão desajeitado que só aumentou a desconfiança sobre o “quê”. Comunicação atrapalhada, timing errado, e uma proposta que parece improviso de campanha, não política pública.

A ideia é isentar quem ganha até R$ 5 mil, oferecer crédito tributário para a faixa entre R$ 5 mil e R$ 7 mil, e manter tudo como está para quem ganha mais que isso. Parece justo, considerando a defasagem absurda da tabela — e até a Receita apoia. Mas o problema, como sempre, é a conta. E ela não fecha.

A compensação proposta — um IR mínimo para quem recebe mais de R$ 50 mil por mês, com alíquota progressiva de até 10% — até soa razoável. Mas é cheia de armadilhas. Primeiro, porque o Congresso dificilmente aprovará a proposta como veio. Segundo, porque o risco de evasão fiscal aumenta: nosso sistema já é complicado demais, e o incentivo para fugir só cresce. Terceiro, mesmo que tudo passe, dificilmente cobrirá o rombo.

E ainda tem o impacto inflacionário da maior renda disponível para a base da pirâmide — justamente em ano eleitoral. No fim das contas, só 10% da população continuará pagando IR, o que escancara a distorção estrutural do sistema: tributamos pouco a renda e muito o consumo, tipo de tributo mais regressivo. Penalizamos os mais pobres e fingimos que isso é normal.

O resultado inevitável? Mais déficit. Mais inflação. E uma equipe econômica que, quando tenta manter o ar técnico, acaba descambando para o populismo disfarçado de política pública.

Se colocarmos o Brasil ao lado de seus pares emergentes, o retrato é desalentador: contas públicas deterioradas, déficit nominal projetado em mais de 7% do PIB em 2025, déficit em conta corrente se aproximando de 4% — um caso clássico de déficits gêmeos. Um cenário insustentável para qualquer país que ainda queira ser levado a sério.

E o mais trágico: o atual governo não tem apetite, muito menos competência, para reverter esse quadro. Se algum ajuste vier, será só em 2027 — com sorte.

Diante disso, o mercado encontra algum consolo na ideia de que o fim do aperto monetário está próximo. A Selic continua alta, mas o alívio está no horizonte, o que ajuda a impulsionar ativos de risco. Não à toa, crescem as apostas de que o Brasil pode ter desempenho superior ao de outros emergentes, como o México.

Claro que boa parte disso é mérito do fluxo global — investidores fugindo dos valuations inflados e da incerteza americana. Mas há fatores locais relevantes também: o fim do ciclo de alta e o início do chamado trade eleitoral.

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É aqui que entra Tarcísio de Freitas, o governador de São Paulo, que aparece nas pesquisas mais recentes como o nome menos rejeitado e, ao mesmo tempo, ainda pouco conhecido — uma combinação que, se bem conduzida, pode dar um trajeto bastante viável para disputar a presidência em 2026. Boa notícia.

De todo modo, os ativos locais seguem surfando a maré. O Ibovespa ronda suas máximas nominais, mas ainda com valuations deprimidos. Uma combinação rara — e cada vez mais difícil de ignorar. Mas sejamos realistas: enquanto os ruídos políticos e fiscais persistirem, qualquer rali continuará com teto baixo.

O capital especulativo ajuda, o alívio de juros também, mas o que realmente falta é uma sinalização clara de que, em 2026, o pêndulo político pode finalmente oscilar para o lado certo — uma agenda séria, reformista, com respeito ao gasto público e previsibilidade institucional. Até lá, seguimos operando no modo cautela. E com razão.

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