Aceleração interina

Soa estranho, mas estamos cansados de ouvir a expressão aceleração interina nas corridas de automóveis, em especial as de F-1. É a aceleração bem rápida do motor nas reduções de marcha que hoje serve unicamente para deixar o motor com a rotação que terá quando a marcha inferior for engatada.

Se não houvesse essa breve — ou interina, temporária — elevação da rotação do motor, no momento em que o motor se conectasse novamente ao câmbio haveria uma breve resistência que levaria as rodas motrizes, no caso as traseiras, a serem freadas, acarretando desequilíbrio do carro ou mesmo perda de seu controle

Quem faz essa aceleração não é o piloto, mas o módulo de gerenciamento do motor, que num cálculo de milésimos de segundo, “manda” o motor acelerar com precisão absoluta. Mas para entender melhor a história toda é preciso voltar um pouco no tempo.

Ferrari 248 F1 vermelha de Michael Schumacher em foto do alto com chão e fundo preto
Ferrari 248 F1 [RM Sotheby’s]

Os câmbios dos automóveis até o final dos anos 1930 não tinham um elemento chamado sincronizador. Para ser possível engrenar duas engrenagens girando em rotações diferentes era essencial o motorista ter habilidade.

Ao subir marcha dar um tempo para a rotação de uma em relação à outra diminuir e, para reduzir, acelerar a rotação de uma delas, em ambos os casos com o pé fora da embreagem. Isso exigia apertar o pedal de embreagem duas vezes, o que se chama dupla-embreagem, fosse a manobra num carro normal ou num carro de corrida.

câmbio manual Honda Civic Type-R
Honda Civic Type-R [Auto+ / João Brigato]

Nestes, por ser necessário quase sempre frear antes das curvas e ao mesmo tempo precisar reduzir marcha, levou à operação do freio e do acelerador ao mesmo tempo com o pé direito, a ponta no freio e o calcanhar, no acelerador — toe and heel em inglês e punta-tacco na língua de Dante.

Com o advento dos câmbios sincronizados a partir dos anos 1940 desparecia a necessidade da aceleração interina para poder reduzir marcha, mas continuava necessária evitar trancos e a indesejada ação de freio nas rodas motrizes caso fosse numa corrida ou dirigindo um carro de rua em ritmo esportivo.

Permanecia, portanto, para uma condução suave ou evitar ação frenante das rodas motrizes, exercer o punta-tacco. Essa é a razão de fabricantes geralmente projetarem os pedais de freio e acelerador com uma disposição tal que facilite a operação desses dois pedais simultaneamente, mas que nem todos têm esse cuidado, infelizmente.

Exemplo disso é o VW up!, que ao contrário de todos os carros da marca não permite essa operação devido ao calcanhar não alcançar o pedal do acelerador.

Voklswagen Up! merecia uma segunda chance?
Volkswagen Up! [divulgação]

Três parênteses. Um, os italianos serem mestres na disposição dos pedais absolutamente favorável ao punta-tacco, logo notado nos Fiat e Alfa Romeo. Outro, essa operação ser de grande utilidade ao arrancar numa subida por dispensar o uso do freio de estacionamento. Por último, o punta-tacco muitas vezes é feito com o lado do calçado, sem precisar enviesar tanto o pé.

O fim do punta-tacco físico

Foi no esportivo Nissan 350Z, lançado em 2001, que conheci o sistema de aceleração automática como o do Ferrari 640 de F-1 em 1989, que estreou no GP do Brasil e venceu, com Nigel Mansell. Não havia mais a secular alavanca de câmbio, abandonada em favor das borboletas no volante.

Nissan 350Z [divulgação]

Com a aceleração interina automática basta apertar o pedal de embreagem dos carros de rua e levar a alavanca para a marcha desejada — freando ou não — que o módulo de gerenciamento do câmbio “diz” ao módulo do motor para acelerá-lo a tantas rotações por minuto, a mesma que terá na marcha que está sendo engatada.

Esse sistema é descrito em inglês, com sua proverbial capacidade de síntese, de rev matching que pode ser traduzido como igualação de rotação. Dirigi recentemente o Honda Civic Type-R manual de seis marchas que tem esse sistema, é simplesmente admirável esse punta-tacco virtual. Útil até para uma condução suave.

Honda Civic Type-R [Auto+ / João Brigato]
Honda Civic Type-R [Auto+ / João Brigato]


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