Cesáreas representam seis em cada dez partos em Campinas; saiba por que ‘epidemia’ preocupa especialistas


Em 2024, 34,4% dos partos registrados na metrópole ocorreram por via vaginal. Organização Mundial da Saúde (OMS) estipula que cirurgia seja necessária em somente 10 a 15% dos nascimentos. Cesáreas representam 6 em cada 10 partos em Campinas; ‘epidemia’ preocupa especialistas
Seis em cada dez nascimentos em Campinas (SP) em 2024 ocorreram por meio de cirurgias cesarianas, segundo um levantamento feito pela Secretaria de Saúde em hospitais públicos e privados a pedido do g1.
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Isso significa que a taxa de cesáreas na metrópole no período foi de 65,58%, porcentagem distante da recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de até 15% dos nascimentos por via cirúrgica.
Para especialistas ouvidas pela reportagem, a “epidemia” de cesarianas reflete uma cultura enraizada não somente na metrópole, como em todo o país, um dos líderes mundiais em partos cirúrgicos. Leia mais abaixo.

Rede privada lidera cirurgias
Analisando separadamente as redes pública e particular, a diferença é ainda maior. Em 2024, 74,1% dos partos realizados em hospitais privados foram cesarianas, contra 59,4% nas unidades de saúde públicas.
Segundo Miriam Nóbrega, coordenadora da Saúde da Mulher em Campinas, diversos fatores contribuem para essa alta. Entre eles, estão o aumento no diagnóstico de condições de risco, como hipertensão e diabetes, e a decisão das mulheres de engravidar mais tarde.
“A gente tem também a questão da lei, que a mulher pode escolher o parto. Isso tem realmente sido muito difícil para a gente, porque por mais que se faça as ações de conscientização, se ela [gestante] chega lá e fala que não quer o parto normal, tem que ser feita cesárea”, afirma.
🔎 Sancionada em 2019, a Lei 17.137 garante às gestantes o direito de optar pela cesárea a partir da 39ª semana de gestação, mesmo sem indicação médica. A legislação também assegura o direito à analgesia (alívio da dor) durante o parto normal.

Nos hospitais públicos, a última vez em que os partos normais configuraram maioria foi em 2019. Desde então, a taxa de cesarianas continuou crescendo, passando de 47,1% para 59,4% em seis anos.
Para reverter esse cenário, a prefeitura aposta em políticas públicas voltadas à conscientização durante o pré-natal. O trabalho é feito nas unidades básicas de saúde e busca desconstruir mitos e medos sobre o parto vaginal.
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cesariana
Pixabay
Epidemia ou pandemia?
A alta taxa de cesarianas não é exclusividade do Brasil, mas sim uma tendência global. Para Eliana Martorano Amaral, professora titular de obstetrícia da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, esse fenômeno se tornou uma “pandemia”.
Faz parte hoje da cultura no Brasil acreditar que a cesárea é um parto sem risco e que a cesárea é a forma natural de nascer. Nos últimos 40 anos, mais ou menos, são gerações que progressivamente foram nascendo com prioridade pela cesárea do que pelo parto vaginal.
⚠️ Por que essa cultura preocupa? Porque a cesárea é um procedimento cirúrgico que traz riscos como qualquer outro, segundo a especialista. “Em particular, ela tem um risco maior de infecções, ela tem um risco maior eventualmente associado à anestesia”, detalha.
“Mas o que pouco se discute são os efeitos da cesárea de longo prazo. Porque de longo prazo, existe um efeito materno que pouco se comenta, que é na próxima gestação, a paciente ter uma placenta que fica anormalmente inserida, a gente chama de placenta prévia, que pode ser acreta”, afirma.
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Amaral explica que estudos recentes indicam que o parto vaginal favorece a colonização do bebê por bactérias da mãe, o que contribui para o desenvolvimento saudável do sistema imunológico e metabólico da criança.
“Estudos de hoje têm mostrado que, de longo prazo, o neném passar pela vagina e receber aquele inóculo de bactérias que faz parte da mãe, ajuda a colonizar a criança. Então essa colonização, hoje, a gente sabe que é responsável, inclusive, pela obesidade lá na vida adulta”, complementa.
Apesar disso, é importante ressaltar que as cesáreas são um procedimento seguro que, quando indicado por um médico, salva vidas.
Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism) da Unicamp
Estevão Mamédio/g1
Duas escolhas
A musicista Clara Rodrigues passou por um parto vaginal em fevereiro no Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism) da Unicamp. Ao lado do companheiro, deu à luz uma menina após horas em trabalho de parto.
A escolha pela forma de parir foi baseada em experiências anteriores. Mãe de outra menina de 9 anos, a musicista já havia passado por um parto natural – ou seja, sem intervenções médicas –, mas desta vez recorreu à analgesia.
“No meio do caminho a gente não aguentava mais de dor, estava bem exausta, mas ainda queria parir normal, e aí fui para a anestesia e foi tudo bem. Queria fazer natural porque sei que algumas substâncias podem prejudicar o bebê de alguma forma, mas foi tudo ótimo”, diz a mãe.
Clara Rodrigues passou por parto normal no Caism da Unicamp em fevereiro
Estevão Mamédio/g1
Já a esteticista Gisele Lerin soube desde o primeiro momento que queria passar por uma cesárea. “Primeiro por causa da minha idade. Eu engravidei com 40 anos e tive ela com 41, então eu tinha medo. E medo mesmo da dor de encarar um parto normal”, relata.
“Hoje, se uma mulher perguntar para mim se eu aconselharia alguém a passar por uma cesárea, [eu responderia] sim. Acho que tem que ser muito explicado e conversado, e ver o que a pessoa se sente mais segura”, conta.
Gisele Lerin deu à luz Ana Laura por meio de cesárea
Gisele Lerin/Arquivo pessoal
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