Que cultura corporativa queremos?

Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, quer mais “energia masculina” no mundo corporativo. Sergey Brin, do Google, defende jornadas de 60 horas semanais. Elon Musk, no comando da Tesla, SpaceX e Twitter, aplica sem cerimônia o orçamento base zero como mantra da eficiência.

Desde que Donald Trump assumiu a presidência dos EUA e Musk virou espécie de CEO honorário da eficiência agressiva, estima-se que milhares de funcionários públicos foram desligados. A lógica do corte máximo, aliás, foi a mesma que Musk usou ao comprar o Twitter (hoje X).

Musk, Trump, Zuck e Brin são mais do que líderes: estão se tornando os novos arquitetos de uma cultura corporativa que pode influenciar empresas mundo afora.

Existem muitas definições de cultura. A mais simples fala em cognições compartilhadas por membros de uma unidade social. A mais difundida, em valores, crenças, conhecimento, moral, costumes e hábitos que moldam uma sociedade. No mundo empresarial, cultura é o jeito como a organização conduz seus negócios e trata clientes, funcionários, fornecedores e o meio ambiente.

A cultura corporativa é formada por camadas. A mais visível é a dos artefatos — aquilo que conseguimos observar: o tamanho da mesa do chefe, o layout do escritório, o jeito que reuniões começam (e se arrastam), os emojis que se pode ou não usar. Depois vêm os valores e normas, ou seja, as crenças do que é certo ou errado — o que Zuckerberg traduziria como agressividade e competição. A camada mais profunda são as hipóteses básicas: aquelas regras tácitas que guiam o comportamento. Não falar sem que o chefe autorize. Não compartilhar informação para manter o poder.

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E os líderes? São os heróis da cultura. Roteiristas, atores e diretores ao mesmo tempo. Heróis poderosos como Trump, Musk e companhia não influenciam apenas suas empresas — criam ritos e símbolos replicáveis. A Coca Diet, por exemplo, virou o combustível oficial dos workaholics, já que vive nas mãos de Musk, que incentiva funcionários a dormirem no escritório para provar produtividade e dedicação total.

Esse discurso acaba moldando o que é “normal” no trabalho. E não vai tardar para vermos mais empresas recompensando jornadas exaustivas e colocando o emprego acima do bem-estar. Os sinais já estão no ar.

Google, McDonald’s, Meta, Goldman Sachs e Amazon reduziram significativamente suas políticas de diversidade e inclusão (DEI) em sintonia com a nova era da austeridade. Universidades americanas cederam a exigências do governo Trump — como reconhecer apenas o sexo de nascimento — para manter o financiamento público.
No Brasil, uma pesquisa da Think Work mostra que 31% das empresas já cancelaram ou planejam cancelar iniciativas de diversidade em 2025. É questão de tempo até executivos brasileiros embarcarem no combo orçamento base zero + eficiência máxima.

Mas será essa a melhor cultura para o futuro dos negócios?

A cultura, o RH e as pessoas

Não existe uma cultura organizacional certa ou errada. Existe aquela com a qual as pessoas se identificam — ou não.
Bradesco e Ambev, por exemplo, são especialistas em gerenciar seus “jeitos de ser”. Desde o recrutamento, buscam perfis que se encaixem na visão da empresa. Um profissional do Bradesco dificilmente se adaptaria à Ambev, e vice-versa.

Cultura forte aumenta o engajamento em até 62%, segundo o Gartner. Eleva a produtividade (+35%) e a intenção de permanência (+25%). Já culturas fracas ou mal geridas causam o oposto: mais rotatividade, menos produtividade e mais burnout.

O problema? Poucas empresas dominam sua própria cultura. Muitas deixam-na à deriva, vulneráveis a modismos ou à influência de líderes carismáticos demais. No Brasil, uma em cada quatro pessoas não enxerga uma cultura bem definida em seu empregador, segundo pesquisa da Think Work com 620 trabalhadores. Só 40% acreditam que os executivos sabem transmitir a cultura. Gestores diretos, diretores e vice-presidentes são os piores avaliados nesse quesito.

E quando a liderança formal falha, abre-se espaço para lideranças informais. Mais da metade dos funcionários desalinhados com a cultura afirma que seu gestor oficial não é o verdadeiro líder da equipe. Em 12% dos casos, a liderança informal emerge por imposição — via medo ou desrespeito.

Globalmente, 97% dos RHs gostariam de mudar algum aspecto da cultura da empresa, segundo o Gartner. No Brasil, 16% dos respondentes da Think Work trocariam pelo menos uma das dez principais características da cultura atual. As mais rejeitadas? Hierarquia e rigidez. As mais desejadas? Meritocracia e respeito.

Quando os valores batem, tudo flui. Entre os que se identificam com a cultura, quase 85% se sentem emocionalmente bem todos ou na maioria dos dias. E 53% planejam ficar na empresa por dez anos ou mais.

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O traço mais citado da cultura corporativa brasileira, de acordo com o estudo da Think Work, é o aprendizado, apontado por 62% dos respondentes. Curiosamente, essa percepção é compartilhada mesmo entre quem diz que a empresa não tem uma cultura clara.

Mas o líder não carrega esse traço. Para os participantes da pesquisa, os líderes são vistos como liberais e democráticos. O perfil “desenvolvedor” aparece apenas em sexto lugar entre nove. Isso sugere que o aprendizado vem menos da liderança e mais do dia a dia: das trocas, dos erros, das promoções, das tarefas.

É aí que o RH entra. Ele precisa convencer e formar líderes para que sejam representantes reais da cultura. Contudo, cerca de 65% dos profissionais de RH dizem sentir falta de apoio da alta liderança para fortalecer a cultura organizacional.

Outro desafio é criar uma cultura que ajude a resolver problemas de gente — e que dialogue minimamente com o que as pessoas desejam. O maior desafio de RH para 2025 no Brasil será atrair talentos. E, segundo o Gartner, 62% dos candidatos só se aplicam a vagas que atendem a maioria de suas exigências de proposta de valor.

Tudo isso enquanto o mundo lá fora pressiona por uma cultura de performance dura, que privilegia o “perfil padrão” — homem branco, cis, hétero. Mais da metade dos americanos acredita que esse grupo ganhará ainda mais poder sob Trump, segundo uma pesquisa do Pew Research Center.

Como equilibrar isso com o desejo crescente por ambientes diversos? Como defender o “workaholismo” em tempos de burnout, ansiedade e novas legislações?

O RH está no centro de um cabo de guerra entre o que acredita ser bom para o negócio, o que as pessoas querem e o que os líderes e as finanças exigem. Sem conseguir unir essas pontas, dificilmente a empresa terá uma cultura harmônica bem gerida. Afinal, para uma cultura forte, é preciso ter: apoio da liderança, comunicação clara e ação consistente dos gestores no dia a dia.

Cultura organizacional não é moda. É estratégia de longo prazo. Especialistas estimam pelo menos três anos para começar a ver os efeitos de uma mudança cultural. Ou seja, quem começar hoje, colhe os resultados em 2028.

Apesar das pressões atuais, o RH precisa olhar adiante. Em 2030, especialistas indicam que a força de trabalho será mais fluida, diversa e dispersa. Os escritórios do futuro, segundo a McKinsey, terão propósito, conectividade digital, flexibilidade e sustentabilidade. São ideias totalmente desalinhadas com as que vemos hoje.

As perguntas que ficam são: quem serão nossos heróis em 2030? Que valores queremos ver moldando nossos espaços de trabalho? Como vamos atrair os profissionais do futuro?

A resposta a essas perguntam vão definir o futuro do trabalho que viveremos – e o sucesso das organizações.

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