Igreja Universal é condenada a indenizar fiel: veja quando uma instituição religiosa é obrigada a devolver doação


Presidente da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB-PE explicou condições para que uma oferta seja considerada de boa-fé. Igreja Universal do Centro do Recife
Reprodução/Google Street View
Na última quinta-feira (20), o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) condenou a Igreja Universal do Reino de Deus a pagar R$ 31,5 mil a um fiel convencido a doar todo o dinheiro que recebeu da venda de uma padaria como “sacrifício”. O caso em questão, apesar de específico, levanta uma dúvida: qual o limite da generosidade na hora da oferta?
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Para entender melhor quais são os direitos dos fieis e das instituições religiosas em relação a doações, o g1 conversou com o presidente da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da Ordem dos Advogados do Brasil seccional Pernambuco (OAB-PE), Martorelli Dantas.
A reportagem também ouviu o psicólogo Quíron de Pontes, colaborador da comissão de orientação e fiscalização do Conselho Regional de Psicologia em Pernambuco, que falou sobre possíveis impactos psicológicos em pessoas fazem doações para instituições religiosas e que possam estar sofrendo violência econômica.
Confira o que dizem os especialistas em relação aos seguintes tópicos:
Existe algum limite para doações a uma igreja?
Um fiel pode se arrepender de uma oferta e pedir o dinheiro de volta?
Quando uma igreja é obrigada a devolver uma doação?
Parentes podem impedir doações a instituições religiosas?
1. Existe algum limite para doações a uma igreja?
Não há nenhum valor estabelecido como limite para doação a instituições religiosas. De acordo com o advogado e teólogo Martorelli Dantas, desde que a doação seja voluntária e de boa-fé, qualquer pessoa pode entregar o valor que desejar à igreja.
“As igrejas são instituições religiosas, definidas como instituições sem fins lucrativos. É lícito e legítimo que elas recebam e peçam doações aos seus fieis. A grande questão é com base em que essas doações são feitas. Em regra, uma doação deve ser feita pela voluntariedade do fiel”, explicou o especialista.
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2. Um fiel pode se arrepender de uma oferta e pedir o dinheiro de volta?
Segundo Martorelli Dantas, se a doação tiver sido voluntária e sem qualquer constrangimento ou abuso, a igreja não é obrigada a devolver o valor recebido porque a doação pode ser interpretada como um “ato jurídico perfeito”, que teve propósitos lícitos e foi concretizada.
No caso da doação realizada no Recife, em que a igreja foi condenada a indenizar o fiel, o juiz que julgou o caso em primeira instância considerou que o pastor se aproveitou da “ambição em mudar de vida fácil e da ingenuidade religiosa do autor, o instigou a realizar a oferta e, sobretudo, demonstrando vilania e falta de empatia, não se preocupou quanto ao fato daquele estar pondo fim ao próprio meio de sustento e de sua família”.
Para o presidente da Comissão de Liberdade Religiosa da OAB-PE, nesse contexto específico, o pastor convenceu o fiel a realizar a doação através de uma fraude. Segundo o processo, o líder da Igreja Universal afirmou que a vítima teria uma mudança positiva de vida após a doação, com casa, carros luxuosos e muito dinheiro.
“Nós não temos uma doação simplesmente baseada na voluntariedade do fiel. Temos um ato em que há uma promessa de vantagem futura, que nem poderia ser garantida, nem ser efetivamente verificada na relação de causa e efeito da doação e do benefício recebido”, explicou.
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3. Quando a igreja é obrigada a devolver uma doação?
Além das situações em que o fiel é coagido a realizar uma oferta mediante uma fraude, o advogado Martorelli Dantas pontuou outros dois cenários em que uma igreja precisa devolver doações: quando o objetivo é realizar lavagem de dinheiro e quando o fiel não é capaz de tomar suas próprias escolhas e necessita ser interditado.
Em ambos os casos, há a necessidade de um processo judicial para apurar as condições em que a doação aconteceu.
“Na lavagem de dinheiro, não é que a instituição vai devolver; o Estado é que vai tomar da instituição os valores recebidos com fins ilícitos, práticas criminosas”, contou o advogado entrevistado pelo g1.
Em 2024, sete pessoas foram condenadas pela Justiça do Rio Grande do Norte por lavar mais de R$ 23 milhões do tráfico de drogas com o uso de igrejas e compras de imóveis, fazendas e rebanhos. As penas chegaram a 84 anos de reclusão. Um casal do grupo abriu ao menos sete igrejas evangélicas para lavar dinheiro.
▶️ No vídeo abaixo, assista reportagem que mostra como, segundo o Ministério Público, a Igreja Universal foi usada para lavar dinheiro de corrupção da prefeitura do Rio de Janeiro:
Igreja Universal foi usada para lavar dinheiro de corrupção da Prefeitura do Rio de Janeiro, diz Ministério Público (arquivo)
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4. Parentes podem impedir doações a instituições religiosas?
Familiares de fieis não podem impedir doações tomadas por inteira vontade do indivíduo, a menos que a pessoa não seja capaz de responder por si.
No cenário em que alguém é considerado incapaz de tomar as próprias decisões, a doação só pode ser impedida se o fiel passar por um processo civil de interdição, fundamentado em análises psicológicas e psiquiátricas.
“A interdição é uma decisão judicial que exige ação específica porque, não apenas será interditado o indivíduo, afastando-o da possibilidade de gerir o seu patrimônio, como também serão estabelecidos os indivíduos, ou um indivíduo, que faça essa gestão, respondendo perante o magistrado (juiz) por um eventual mal uso dos bens”, contextualizou Martorelli Dantas.
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Impacto psicológico e saúde mental
Embora a interdição civil seja uma alternativa jurídica possível, o psicólogo Quíron de Pontes explicou, em entrevista ao g1, que outras formas de intervenção podem ser adotadas sem deslegitimar a fé ou a capacidade de decisão de alguém que já pode estar sendo vítima de violência econômica.
O foco, para ele, deve ser o acolhimento.
“Algumas ações podem ser muito úteis, como oferecer o apoio psicológico, encaminhar para alguns grupos de acolhimento, onde essa pessoa pode refletir como é que ela está administrando esses recursos; sem o foco no julgamento da sua religiosidade, da sua autonomia, mas sim no gerenciamento de recursos”, disse.
Segundo o psicólogo, familiares devem ficar atentos quando as doações são condicionadas a promessas de prosperidade, especialmente quanto são em valores muito elevados em relação aos bens e renda, ou muito frequentes.
“Alguns sinais que podem indicar uma situação de exploração econômica incluem mudanças bruscas no padrão de vida, venda de bens essenciais, dificuldade de pagar contas básicas […], ou mesmo sentimentos de culpa, ansiedade, ou isolamento associados a essa pressão de ter que doar”, explicou.
Ainda de acordo com Quíron de Pontes, no caso de uma pessoa que não tenha uma rede de apoio próxima, é possível acionar equipamentos públicos, como o Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas).
Já quando há a necessidade de intervenção jurídica, a Defensoria Pública e o Ministério Público também podem ser procurados.
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