Tarifas de Donald Trump e o fim do multilateralismo funcionam?

Com o início do segundo mandato de Trump na Casa Branca, a partir de janeiro desse ano, vários pilares do Direito Internacional e Comercial estão sendo severamente questionados. Dentre eles, o multilateralismo é o mais atingido.

Na sua política “Make America Great Again”, Trump confronta a ordem estabelecida com o pós-guerra, que moldou a estrutura internacional de hoje. Nessa empreitada, o governo americano está utilizando tarifas, protecionismo e alegações de reciprocidade.

Por consequência, outros países começam a usar desses mesmos instrumentos como resposta. Mas cabe uma indagação essencial, se essas ações são legais e o que representam na realidade?

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Os Estados Unidos de Donald Trump

É notório que Trump vem ameaçando impor tarifas à diversos países, em algumas vezes recuando, como no caso de tarifas de 25% com México e Canadá, mas de fato impondo outras para produtos específicos, como aço e alumínio, para os produtos oriundos de todos os países em 25%. Igualmente, impôs tarifa de 10% para China.

O instrumento de tarifas não é novo, mas o que chama atenção é a forma como isso vem sendo feito. Trump utiliza as tarifas de forma indiscriminada e injustificada, ou seja, pretende impor tarifas não focando necessariamente em um produto específico, mas diretamente a algum país ou a vários ao mesmo tempo sem critérios.

Por consequência, os países alvos dessas tarifas retaliam essas medidas com mais tarifas nos produtos dos EUA. Importante esclarecer o óbvio, que quem paga as tarifas não é o país exportador, mas sim o importador. O discurso adotado pela Casa Branca de que as tarifas são “taxas a serem pagas por outros países” não tem respaldo na realidade.

Por outro lado, têm como efeito colateral de desorganização de cadeias de produção, hoje operacionais num mundo altamente globalizado. Com relação ao agro, produtores de soja dos EUA, mesmo sendo base eleitoral do presidente americano, estão demonstrando desconforto com a retaliação da China, tarifando a soja americana – tarifa essa imposta como resposta as taxas previamente feita por Trump aos chineses. Para os produtores americanos isso é péssimo, por outro lado, abre oportunidade para os brasileiros.

Com relação ao ordenamento americano, de acordo com as leis Trade Act de 1974 e Trade Expansion Act de 1962, o presidente americano pode impor tarifas no caso de segurança nacional e práticas comerciais injustas de outros países.

Nesse ponto, as tarifas de Trump ficam, de certa forma, fragilizadas juridicamente no escopo da própria lei americana, uma vez que esses motivos não são claramente observados na realidade fática, somente no discurso político do presidente.

A despeito da forma caótica com que Trump vem utilizando as tarifas, não ficando claro o real propósito da desordem, até o momento fica evidente o elemento de protecionismo. Há uma expectativa de que fechando o mercado americano, o país irá ser autossuficiente na produção industrial, tecnológica e agropecuária de tudo – resultado difícil de ser atingido no mundo real.

Exigências ambientais da União Europeia

A União Europeia (UE) por outro lado não vem impondo tarifas, mas vem criando normas de restrição ao comércio para viés de preservação ambiental. Tal tendência ficou evidente nos últimos anos (i.e., 2023 – 2025). Por exemplo, a Lei anti-desmatamento da UE (Deforestation Regulation) – EUDR, entrando em vigor em janeiro de 2026.

A EUDR irá demandar comprovação de que os produtos do agro (i.e., gado, soja, café, madeira, óleo de palma e cacau) não sejam oriundos de áreas desmatadas a partir de 2020, sendo que para o bloco europeu, a legalidade da conversão do uso do solo não é levada em consideração – ou seja, qualquer conversão do uso do solo feita a partir de 2020 será caracterizada como desmatamento, não importante se foi devidamente autorizado ou não (i.e., desmatamento legal e Ilegal).

De forma a comprovar a origem livre de desmatamento desses produtos, o a norma exige que comerciantes e importadores (com sede na UE) submetam à autoridade pública competente análise de risco, informações do produto e medidas de mitigação – uma due diligence, com critérios que dependem de maior clareza por parte da UE.

Como observado, essa norma não é tarifa ou barreira ao comércio, como feito pelos EUA, mas critérios ambientais restritivos ao comércio.

O que diz a OMC?

As regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), permitem o uso de tarifas e/ou restrições ao comércio, porém essas não podem ser discriminatórias e/ou injustificadas. Isso está embasado nos princípios de livre comércio que criaram a própria OMC (antigo GATT), principalmente, o da “nação mais favorecida” e o do “tratamento nacional diferenciado”. Em suma, a OMC proíbe que países imponham restrições favorecendo produtos nacionais ou outros países específicos.

No caso de Trump, as tarifas impostas diretamente à China e as ameaças de tarifar México e Canadá são ilegais. A OMC não permite lesar países específicos de forma ampla, isto é, não focando em produtos determinados. Já as tarifas de 25% para os produtos de aço e alumínio, direcionada a todos os países, a OMC permite exceções ao comércio, dentre elas as medidas de salvaguarda (artigo XIX do GATT).

Se trata de medida excepcional permitindo um país restringir temporariamente as importações de um produto para proteger sua indústria doméstica contra aumentos súbitos e significativos de importações que possam causar prejuízos graves. Deve-se lembrar que mesmo sendo exceções permitidas e temporárias, devem ser devidamente comprovadas com não discriminatórias e injustificadas.

Nesse quesito, já houve precedente, de mesmo objeto, com as tarifas de aço e alumínio impostas por Trump no seu primeiro mandato em 2018. Os EUA impuseram tarifas de 25% sobre esses produtos (semelhante as atuais), alegando preocupações com a segurança nacional.

Essas medidas foram contestadas na OMC pela China, sendo que em 2022, os EUA foram condenados, uma vez que não conseguiram comprovar prejuízos graves das importações, sendo tarifas injustificadas. Hoje, Trump repete as mesmas tarifas já condenadas anteriormente.

No caso das exigências ambientais da UE, a análise é mais complexa. A OMC também permite exceções ao comércio para propósitos de preservação ambiental (artigo XX do GATT). Pelo fato da EUDR se aplicar a todos os agentes econômicos de produtos agropecuárias, tanto domésticos como estrangeiros, até o momento não se caracteriza afronta aos princípios de não tratamento diferenciado nacional.

Deve-se aguardar como o bloco europeu irá avaliar os critérios da due diligence da EUDR e, caso sejam identificadas análises subjetivas favorecendo grupos específicos (e.g., produtores europeus), caberá ação na OMC.

Um ponto de fragilidade jurídica já identificada na EUDR é de não levar em consideração leis nacionais de desmatamento (i.e., desmatamento legal e ilegal). Ao fazer isso, a Europa impõe seu entendimento de conversão de uso de solo, tentando impor as suas regras florestais a outros países – isto se chama, extraterritorialidade de leis, algo já condenado na OMC.

Conclusões

De fato, o multilateralismo e livre comércio no mundo está enfraquecido. Regras da OMC não estão sendo levadas em consideração pelos EUA. Caso esse caminho seja seguido pelo demais países, todos sairão perdendo – haverá uma ordem mundial comercial do mais forte. Nisso, ao invés de retaliar injustificadamente, as respostas devem ser inteligentes e eficazes.

Ou seja, negociar cotas (como o Brasil já fez em 2018 no caso do aço com os EUA), acionar a OMC, mesmo que de forma protocolar, como a China vem fazendo, para que as estruturas multilaterais não seja sejam esquecidas.

Igualmente que a retaliação tarifária seja o mais cirúrgica possível, como o caso do bloco europeu em tarifar setores econômicos de peso em redutos republicanos, base eleitoral de Trump. Em tempos de desordem e anarquia, precisa-se agir com prudência e sangue frio.

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