Brandão, “Espinafre” e uma questão: o funk deixou o trap chato?

MC Hariel e Ret
Foto: Reprodução/Twitter

A interseção entre o trap e o funk representa um dos movimentos mais significativos dentro da música urbana brasileira, alterando profundamente a “paisagem sonora” do rap nacional. Mais do que uma simples fusão de gêneros, essa interação redefiniu a forma como o rap se manifesta no Brasil, expandindo seu alcance e ressignificando sua identidade cultural.

Recentemente, um debate ganhou força após a polêmica envolvendo um verso do rapper Brandão na música “Espinafre”, onde ele afirmava que o trap “ficou chato” com a inserção de funkeiros no gênero. O impacto foi imediato: MCs de funk reagiram, expondo uma tensão que, embora latente, evidencia uma transformação profunda no DNA do rap brasileiro.

Desde sua chegada ao Brasil, o trap era um gênero de nicho, com forte influência norte-americana e pouca inserção nas dinâmicas culturais locais. Entre 2015 e 2017, artistas como DaLua, Makonnen Tafari, Raffa Moreira e a Recayd Mob despontaram, mas ainda havia um teto para o crescimento do gênero.

O trap era mais consumido por uma bolha específica e sua estética era fortemente influenciada pelo que se fazia nos Estados Unidos. A mudança veio quando o trap começou a dialogar com o funk, principalmente através de produtores como WC no Beat, que deram início ao trapfunk.

Essa aproximação não apenas adicionou elementos sonoros brasileiros ao gênero, mas também ampliou sua base de público, aproximando-se de uma realidade popular mais ampla.

A interseção entre o trap e o funk

A sonoridade do rap brasileiro foi alterada a partir desse encontro. O funk, com sua cadência frenética e sua conexão visceral com as periferias, trouxe novas possibilidades estéticas para o trap. Essa interseção não apenas ampliou as possibilidades criativas do trap, mas também o impulsionou para um patamar inédito de popularidade.

Os números são claros: entre 2022 e 2023, o streaming de músicas de rap e trap cresceu 90%, chegando a 2,1 bilhões de reproduções no Spotify, de acordo com a Crowley. Em 2024, metade dos artistas mais ouvidos no Brasil eram MCs de trap e funk. Isso demonstra que a fusão não foi apenas um experimento estético, mas uma mudança estrutural na forma como o rap é produzido e consumido no país.

Essa transformação, no entanto, não é algo inédito na história da música brasileira. Nos anos 1990, Marcelo D2 já havia misturado o rap ao samba, e Rappin’ Hood fez o mesmo, trazendo para o hip-hop colaborações com artistas como Jair Rodrigues.

O disco Brime, criado por Febem, Fleezus e Cesvr é outro exemplo do sucesso da união do funk com gêneros de fora. No disco, os artistas romperam com as tradições do grime de Londres, aplicando uma estética brasileira e permitindo que o gênero londrino criasse raiz e pertencimento com o povo daqui.

Indo mais longe, a própria Tropicália enfrentou um dilema semelhante quando incorporou a guitarra elétrica em uma música que, até então, era considerada exclusivamente “brasileira”.

O desconforto que surge da interseção entre estilos musicais diferentes está ligado a uma tentativa de preservar uma suposta “autenticidade”, mas é justamente nessa contaminação que surgem os movimentos mais revolucionários da música.

Assim como o Brasil, o rap é miscigenado

Essas questões nos apontam para o fato de que o rap e a cultura hip-hop estão sempre em um processo de transformação, renovação e contato extremamente próximo com a realidade social, política, racial, de gênero e estética do ambiente no qual estão inseridos.

Quando veio para o Brasil, o rap não era mais o que um dia já foi nas ruas dos Bronx. Em sua estrutura musical, o rap nacional apresentou novas possibilidades e contato com tudo aquilo que já foi produzido em questão de cultura popular aqui, provando que a identidade do gênero no país nunca foi estática, e sua força está exatamente na capacidade de absorver e ressignificar novas influências sem perder sua essência.

Contudo, com esse crescimento meteórico, o trap também encontrou desafios. A busca incessante por plays e a pressão dos algoritmos geraram uma tendência à repetição de fórmulas: batidas semelhantes, melodias previsíveis e as insuportáveis gravações em microfones dinâmicos. Mas esse fenômeno não pode ser atribuído apenas à interseção com o funk. Trata-se de um efeito colateral da indústria digital, onde a efemeridade da música é acelerada pelo consumo massivo.

O Brasil sempre absorveu e ressignificou influências externas. Assim como Djavan transformou o R&B em algo profundamente brasileiro, o trap e o funk se tornaram parte de uma nova identidade musical urbana. Essa fusão não apagou a identidade do rap; pelo contrário, expandiu suas fronteiras e reafirmou sua capacidade de evoluir junto às transformações sociais e culturais do país.

Se o hip-hop sempre foi uma música que reflete o contexto onde está inserido, então não há dúvida de que, hoje, o trap e o funk representam o presente e, possivelmente, o futuro do rap brasileiro.

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