Se o crime organizado avança para setores legais, só a repressão ainda é suficiente?

O crime organizado no Brasil já não se limita ao narcotráfico e ao contrabando tradicional. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mostram que as facções criminosas estão expandindo seus negócios para setores de alto faturamento e menor fiscalização.

Entre essas atividades, a venda ilegal de combustíveis se tornou mais lucrativa do que o tráfico de cocaína, movimentando R$ 61,5 bilhões em 2022, contra R$ 15 bilhões do comércio da droga.

A diversificação dos negócios criminosos coloca um novo desafio para o poder público: a repressão policial, por si só, não tem sido suficiente para conter essa expansão.

Como destacam especialistas, o problema não está apenas na atuação das forças de segurança, mas na falta de controle efetivo sobre setores estratégicos da economia, que acabam sendo explorados por facções.

O avanço do crime organizado sobre a economia formal

O relatório do FBSP revela que o crime organizado já atua em diferentes mercados, explorando falhas na fiscalização para aumentar seus lucros.

Além dos combustíveis, setores como bebidas falsificadas (R$ 56,9 bilhões), extração ilegal de ouro (R$ 18,2 bilhões) e tabaco contrabandeado (R$ 10,3 bilhões) são altamente lucrativos para as organizações criminosas.

Essas atividades ocorrem em larga escala porque enfrentam uma fiscalização precária e, muitas vezes, leis que dificultam uma repressão efetiva.

A adulteração de combustíveis, por exemplo, reduz custos com solventes ilegais, enquanto fraudes interestaduais permitem que empresas de fachada movimentem combustíveis sem pagar impostos.

Além disso, os postos piratas e o roubo de cargas abastecem o mercado clandestino sem grandes riscos para os criminosos.

A consequência direta dessas operações é um rombo bilionário na arrecadação. Apenas no setor de combustíveis, as perdas fiscais chegam a R$ 23 bilhões anuais.

Já o mercado ilegal de tabaco acumula um prejuízo de R$ 94,4 bilhões em impostos não pagos nos últimos 11 anos.

Esses números demonstram que, enquanto o Estado falha em controlar o comércio legal, as facções preenchem essa lacuna e ampliam suas operações.

O crime digital como nova fonte de receita

Se as fraudes no mercado formal já desafiam a segurança pública, a ascensão do crime digital adiciona uma camada ainda mais complexa ao problema.

O estudo do FBSP mostra que fraudes bancárias, clonagem de cartões e roubos de celulares movimentaram R$ 186 bilhões entre 2023 e 2024, tornando-se a maior fonte de renda do crime organizado.

O aumento do roubo de celulares, por exemplo, não se trata apenas do valor do aparelho, mas do acesso a contas bancárias e informações sigilosas. Com isso, criminosos conseguem realizar transações fraudulentas e esvaziar contas bancárias rapidamente.

Especialistas apontam que esse cenário exige uma modernização no combate ao crime, com foco na inteligência financeira e no rastreamento de produtos e transações.

Para Eduardo Pazinato, coordenador do estudo, “é necessário complementar a dinâmica de atuação das forças de segurança para frear estas novas fronteiras do crime organizado. Para além de monitorar o dinheiro, é preciso aumentar o nível de controle e rastreamento de produtos“.

A resposta do Estado precisa ir além da repressão

Os números apresentados pelo relatório deixam claro que o crime organizado se adaptou e diversificou suas fontes de receita, aproveitando falhas regulatórias para crescer sem a necessidade de enfrentar a repressão policial diretamente.

Hoje, as facções criminosas operam como grandes conglomerados empresariais, com estruturas que garantem lucros bilionários e tornam difícil a sua desarticulação.

Práticas como contrabando, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro exigem um combate mais sofisticado, que vá além das operações policiais tradicionais.

Para especialistas, um dos caminhos mais eficazes é a criação de um sistema nacional de rastreamento de produtos e transações.

O controle rigoroso sobre combustíveis, metais preciosos e produtos de alto valor reduziria as brechas exploradas por criminosos.

Além disso, o fortalecimento da inteligência financeira e a modernização das investigações poderiam atacar diretamente a base econômica das facções.

O avanço do crime organizado sobre setores legais da economia mostra que a repressão não pode ser a única solução.

O Estado precisa evoluir suas estratégias, fortalecendo a fiscalização e o controle de setores estratégicos. Caso contrário, as facções continuarão expandindo seus negócios e consolidando um império que, hoje, já rivaliza com as maiores empresas do país.

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