Busca por remédios, saúde digital, dengue: veja fatores que ajudam explicar aumento de usuários e consultas no SUS em Campinas


Dados da Secretaria de Saúde mostram que número de atendimentos na rede básica chegou a 4.090.238 em 2024, alta de 22,2% em relação ao ano anterior. Centro de Saúde do Jardim Aurélia, em Campinas, passa a usar IA para confirmar consultas ou exames
Rogério Capela
Campinas (SP) registrou 4,09 milhões de atendimentos nos 68 centros de saúde em 2024, alta de 22,2% em relação ao ano anterior. Já a base de usuários cadastrados no SUS municipal cresceu 6,1% no período, atingindo 864 mil moradores. Mas o que explica essa maior demanda pela saúde pública?
Fatores como a busca por remédios nas farmácias municipais, mesmo de quem possui plano privado, a implantação da saúde digital, seja para otimizar agenda e ampliar atuação, e até mesmo a epidemia histórica de dengue são apontados como explicações para o número crescente.
E o avanço nessa dependência pelo SUS ocorre mesmo diante de indicadores positivos, com geração de empregos e aumento da renda média, e até mesmo do número de pessoas com planos de saúde – que chegou a 598,2 mil na metrópole, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Consultas nos centros de saúde
2024: 4.090.238
2023: 3.345.646
Pacientes cadastrados no SUS Municipal
2024: 864.750
2023: 815.001
A Secretaria de Saúde destaca que “a assistência nos centros de saúde inclui consultas por médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, nutricionistas, assistentes sociais, psicólogos e terapeutas ocupacionais, além de exames e procedimentos”.
“A rede básica também encaminha os pacientes aos serviços de especialidades ou de urgência e emergência, quando necessário”, informa.
Foto da farmácia do Centro de Saúde Ipê, em Campinas (SP)
Fernanda Sunega/PMC
Busca por remédios
“Há uma interpretação equivocada de que quem é beneficiário de algum tipo de convênio, não seria atendido pelo SUS. Muitas vezes, um funcionário de menor renda, que possui o sistema de co-participação, em que tem de pagar parte de uma consulta, renuncia o uso do convênio privado em prol do público, por não pagar nada. E muitos que possuem o convênio privado também fazem uso de serviços que o SUS oferece, como a farmácia”, explica o economista Roberto Brito de Carvalho.
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O professor da PUC lembra que é comum o cenário de que uma pessoa que precisa de um tratamento médico recorra à saúde pública para amenizar custos. Em Campinas, segundo a Secretaria de Saúde, o número de medicamentos oferecidos na rede pública saltou de 160, em 2021, para 203 atualmente.
“Imagina uma pessoa diabética. Ela tem o convênio, mas o SUS confere a ela a insulina, por exemplo. Então, o fato de uma pessoa ter convênio privado não exime o SUS do seu atendimento, sobretudo, naquilo que o SUS faz bem”, destaca Carvalho.
Saúde digital
Um dos pontos apontados que podem ter contribuido para o aumento dos atendimentos, tanto pelo economista como pelo secretário de Saúde, Lair Zambon, envolve a saúde digital, que ampliou a oferta de consultas e outros procedimentos, e otimizou agendamentos e convocação de pessoas para procedimentos nas unidades básicas.
“A saúde digital entrou no jogo e os usuários começaram a fazer uso”, destacou Zambon.
Segundo Roberto Brito de Carvalho, o uso de novas tecnologias da informação e comunicação viabilizam melhor eficiência da agenda dos postos de saúde.
O secretário de Saúde de Campinas, Lair Zambon
Reprodução/EPTV
Dengue
Nem todas as explicações são de ações que ampliam o atendimento da rede. Campinas viveu em 2024 a pior epidemia de dengue de sua história, com 121 mil casos confirmados e 90 mortes.
Nas fases mais críticas, os postos tiveram dias e horários de atendimentos ampliados para dar conta da demanda.
“Por volta de 20, 25% das pessoas que foram atendidas, eram usuários de planos de saúde, mas encontraram acesso mais fácil nos centros de saúde do que nesses próprios hospitais conveniados, esses ambulatórios conveniados”, disse Zambon.
Carvalho lembra que outro elemento que entra na equação é a busca por atendimentos na cidade por moradores de outros municípios – fato mais comum nas urgências e emergências -, mas que procuram Campinas por “uma infraestrutura mais robusta”.
Desafios do SUS
Ao analisar o avanço nas consultas e cadastrados, o médico Carmino de Souza, ex-secretário de saúde de Campinas por oito anos, e que já ocupou o posto de secretário de Estado por três, enfatiza o perfil universal do SUS, que atende da base ao pico da pirâmide.
Souza reforça que o sistema, uma conquista civilizatória, possui “uma série de responsabilidades quase que exclusivas”, como os serviços de vigilância (epidemiológica, sanitária), e quase as totalidades da vacinação e transplantes.
“O importante é saber não deixar o ótimo atrapalhar o bom. O SUS é um patrimônio que tem que ser preservado, mesmo que com enorme dificuldade”, destaca.
Foto de arquivo de Carmino de Souza, ex-secretario de Saúde de Campinas
Reprodução/Facebook
O ex-secretário pontua que no caso da atenção básica, há uma sensação de pertencimento da população com as unidades ligadas ao acolhimento, assistência e orientação.
“Em algumas regiões, Campinas é homogênea, como Centro, Taquaral, Cambuí, em que há predominância de pessoas com planos privados, mas a medida que vai se afastando, nas regiões mais extremas, é quase que uma dependência 100% do SUS. E um exemplo que dou para medir essa relação é a violência, virtualmente zero. É normal ver algum caso numa emergência, alguém alterado por uma demora. Mas nos postos, em geral, a população cuida”, defende.
Apesar de enaltecer o SUS, Carmino pontua que há um grave problema em relação ao financiamento do sistema, em que há menor participação federal ano a ano, e que a falta de recursos é um desafio para a gestão, uma vez que “a inflação da saúde sempre pressiona”, citando custos pela dependência de imporação de insumos e fármacos, por exemplo.
“O sonho de ter um sistema universal foi conquistado, sou um fã. A pandemia aproximou o SUS da população. Mas há esse drama, de quem vai pagar a conta. Incorporar novas tecnologias, novos tratamentos. Com o dinheiro que temos, fazemos milagres. Os programas de Aids, transplante, vacinação, são ótimos. Ainda trabalhando para melhorar o sistema contra o câncer. Mais quanto mais o tempo passa, mais o buraco vai ficando maior”, completa.
Segundo Lair Zambon, um dos grandes gargalos no SUS regional atualmente envolvea oferta de leitos para procedimentos eletivos, que define como leitos resolutivos, não de internação, mas para que os pacientes tenham “seus casos resolvidos”.
No início de fevereiro, o Hospital PUC-Campinas alertou para o risco de suspensão dos procedimentos eletivos por conta da pressão por leitos, com a estrutura superlotada. Na ocasião, Campinas cobrou uma reunião com o Estado discutir a abertura de leitos de média e alta complexidades em caráter de urgência na RMC e a implantação do Hospital Metropolitano.
Procurada para comentar sobre a demanda por leitos, a Secretaria de Estado da Saúde informou, por nota, que está em andamento a contratação de novas vagas com base nas demandas debatidas com autoridades locais.
Veja a nota:
“O Departamento Regional de Saúde (DRS) Campinas informa que a contratação dos leitos está em andamento, com base nas demandas da região debatidas com as autoridades de saúde locais. O objetivo é otimizar os leitos desde a atenção básica até a alta complexidade, principalmente para atendimentos sazonais, como a dengue.
Para a ampliação da rede assistencial, há ainda o projeto do Hospital Metropolitano de Campinas, que está sob análise técnica e discussão com gestores locais. Por meio do programa de Regionalização da Saúde, em andamento, estão sendo mapeadas as demandas locais com objetivo de definir o perfil de unidade para atender casos de urgência e emergência, desafogando a alta complexidade da região e possibilitando um atendimento mais assertivo.”
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