Álbum de BK’ exemplifica o papel revolucionário do sample na memória da música brasileira

BK
Foto: Pepe Rodrigues

O novo álbum de BK’, Diamantes, Lágrimas e Rostos para Esquecer, é uma obra que transcende o tempo, ancorada na riqueza de seu discurso e na sofisticação de sua sonoridade. Entre seus muitos acertos, um dos aspectos mais marcantes está na essência de sua produção: o uso intenso e cuidadosamente direcionado dos samples.

BK’ não apenas incorpora trechos de Djavan, Evinha, Milton Nascimento, Fat Family e Trio Mocotó; ele os ressignifica, os homenageia e os entrelaça ao presente, construindo um elo entre a modernidade e a atemporalidade. Cada sample funciona como um portal para o passado, permitindo que esses artistas continuem vivos em novas formas de expressão.

Um exemplo notável desse resgate está na presença de Evinha, uma das vozes mais emblemáticas da Jovem Guarda e do Trio Esperança. Ao ecoar sua voz no presente, BK’ não apenas revisita sua obra, mas a posiciona dentro da narrativa do rap nacional como um elemento fundamental da nossa identidade musical.

Essa conexão com a brasilidade não é apenas um recurso estético, mas um ato de afirmação cultural. Ao revisitar e reconstruir essas canções, BK’ destaca o legado de artistas que muitas vezes foram subestimados pelo mercado, como Arthur Verocai, que viu seu disco de 1972 renascer décadas depois ao ser descoberto por produtores e MCs, possibilitando a retomada de sua carreira.

O sample como ouro

Desde os primórdios do hip-hop, o sampling se consolidou como um dos alicerces da cultura. DJs como Grandmaster Flash e Kool Herc transformaram breaks de bateria em batidas dançantes, expandindo o conceito de autoria musical e moldando um novo som. Mais do que uma técnica, o sample se tornou um dispositivo de resistência, onde o passado da música negra era reinterpretado e ressignificado, gerando algo inovador.

O DJ KL Jay, do Racionais MCs, definiu essa prática com precisão em uma entrevista ao site Alma Preta: “O sample é como o ouro. Você pega o ouro e faz um anel, faz um colar”. Essa capacidade de transformar algo preexistente em uma nova obra é o que torna o sampling uma expressão tão poderosa.

Nos anos 1980, o hip-hop levou o sample a um novo patamar com álbuns como Paul’s Boutique, dos Beastie Boys, que transformaram fragmentos de canções passadas em colagens inovadoras. O sampling tornou-se uma arte de curadoria e reconstrução, com produtores operando como arquitetos sonoros que reconstroem a história da música através de suas batidas.

As barreiras legais do sampling

Com a ascensão do rap como fenômeno comercial, o uso de samples passou a enfrentar desafios legais e financeiros. No Brasil, o processo de liberação de direitos autorais pode ser um impeditivo, sobretudo para artistas independentes. A exigência de licenças onerosas contrasta com a prática original do hip-hop, que nasceu da reapropriação de trechos musicais sem burocracia.

O caso “Grand Upright Music Ltd. vs. Warner Bros. Records”, de 1991, mudou o panorama legal do sampling ao condenar o rapper Biz Markie por usar um trecho da música “Alone Again” sem permissão. Desde então, os artistas passaram a necessitar de autorizações formais, o que trouxe desafios para a produção musical. Ainda assim, o sampling permaneceu vital, evoluindo para driblar restrições e se adaptando à nova realidade da indústria.

Nesse cenário, o álbum de BK’ se destaca justamente por conseguir contornar essas dificuldades. Cada artista sampleado no disco é creditado, sugerindo acordos legais (e até financeiros) para o uso das gravações. Ou seja, é uma exceção à regra, em meio à desvalorização financeira de artistas e produtores independentes.

Memória e revolução

O legado do sampling vai muito além da simples reutilização de sons; ele redefine a percepção de autoria e cria novas camadas narrativas na música. A capacidade de transformar algo antigo em algo inédito desafia conceitos convencionais de originalidade e reforça a ideia de que a música é um organismo vivo, em constante metamorfose.

Mesmo diante das restrições legais, o sampling continua a ser um motor de inovação no hip-hop. Sua força está na sua capacidade de estabelecer pontes entre diferentes épocas, criando um espaço em que o passado e o presente coexistem.

Em um mundo cada vez mais digital, onde a memória cultural corre o risco de se dissolver na efemeridade dos algoritmos, o sampling se torna um ato de resistência, um meio de garantir que a história da música não apenas sobreviva, mas continue a inspirar e transformar.

O álbum de BK’ é um exemplo vivo dessa força. Ao incorporar samples como parte essencial de sua construção musical, o rapper reafirma o poder do sample como um mecanismo de resgate histórico, uma ponte entre gêneros, gerações e narrativas que, sem essa técnica, poderiam se perder no tempo.

OUÇA AGORA MESMO A PLAYLIST TMDQA! BRASIL

Música brasileira de primeira: MPB, Indie, Rock Nacional, Rap e mais: o melhor das bandas e artistas brasileiros na Playlist TMDQA! Brasil para você ouvir e conhecer agora mesmo. Siga o TMDQA! no Spotify!

O post Álbum de BK’ exemplifica o papel revolucionário do sample na memória da música brasileira apareceu primeiro em TMDQA!.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.