Histórico jornal lagunense deixava de existir há 60 anos

Quem tem um pouco mais que 60 anos vai se lembrar de um dos mais importantes títulos jornalísticos que circulou em Laguna. Nesta quinta-feira, 9, completam exatas seis décadas que O Albor saiu às ruas pela última vez, com 3.053 edições publicadas e um acervo invejável que ajuda a contar a história política, social e cultural de uma cidade que foi a mais importante do Sul catarinense.

“Quando Gutenberg tornou realidade o maior veículo de ideias e do pensamento, […] não podia imaginar que nas humildes plagas da Laguna, uma pequenina formiga acostelada em fulgente nome Albor, surgiria com antenas alçadas, carregando um grãozinho de areia para o imenso edifício da civilização”, diz trecho do que foi publicado no primeiro número em 15 de setembro de 1901 – a grafia dá uma noção da linguagem formal e rebuscada daquele tempo.

O jornal foi criado pelos primeiros Adalberto, Manoel Custódio e Manoel dos Passos Bessa. Em 1904, Antônio Bessa comprou o semanário, que a essa altura, já não era mais um órgão da mocidade e assumira uma linha editorial noticiosa.

Nas suas páginas, registrou a chegada do primeiro automóvel, da energia elétrica, do telefone, do rádio, do cinema. Descreveu partidas de futebol e as regatas náuticas. Cobrou o poder público. Teceu elogios. Divulgou nascimentos, mortes, casamentos, quem chegava de viagem e quem partia. Tudo virava nota – conceito que até hoje norteia o jornalismo.

O Albor acompanhou as duas grandes guerras – na primeira, chegou a ficar cerca de um ano sem circular, entre 1918 e 1919, após ter sido vítima do que hoje seria chamado de fake news – e deixou de circular em 1965, quando Antônio Bessa, já com idade avançada, se viu sem condições de tocar o semanário. O jornalista morreria anos mais tarde, em 1971, aos 94 anos.

Antônio Bessa

Principal nome ligado ao Albor, Antônio Bessa nasceu em 9 de junho de 1877. Segundo a bisneta Lúcia Maria, por conta das péssimas condições financeiras da família, foi obrigado a começar a trabalhar ainda menino, com nove anos. “Iniciou como entregador de compras em um armazém de um concorrente de seu pai. Ganhava apenas uns trocados. Um dia, durante uma entrega na casa de um freguês muito rico, chamado Álvaro Pinto da Costa Carneiro, sensibilizou a esposa deste, Ninita, com sua magreza e aparente pobreza”, relatou no TCC. Costa Carneiro era português, foi prefeito da cidade por quatro vezes e inaugurou o primeiro mercado público.

Carneiro deu emprego ao jovem. Foi aprendiz de tipógrafo, aprendeu jornalismo na prática, virou dono da oficina gráfica – comprada de seu empregador – e em 1904, adquiriu O Albor. No jornal, fazia de tudo: redigia os artigos, gerenciava, cobrava e entregava. “A única coisa que dividia a atenção de Seu Bessa com o jornal era a política. Um verdadeiro vício. O primeiro contato foi através de Costa Carneiro, seu padrinho e protetor. Com ele, envolveu-se no Partido Republicano e chegou a ser seu presidente na cidade. E durante três períodos assumiu a Superintendência Municipal – cargo equivalente a prefeito”.

Se filiou à União Democrática Nacional, em 1945, e foi porta-voz do partido e maior líder na região. Torcia para o Bola Preta, e ficava mais triste quando o cordão carnavalesco perdia, do que quando era criticado. Não tocava instrumentos, mas era fanático pela União dos Artistas – os filhos Agenor e Manoel viraram flautistas na banda. Morreu aos 94 anos. No dia do seu enterro, em 15 de junho de 1971, quando a União baixou os instrumentos, o ex-prefeito Paulo Carneiro pediu ao maestro: “Toquem mais porque ele merece. Hoje enterramos um rei”.

Preservação

Laguna conserva no Arquivo Público uma coleção quase completa das edições – mais de 2 mil exemplares – que circularam d’O Albor. É possível também localizar números encadernados no acervo da Hemeroteca da Biblioteca Pública do Estado, em Florianópolis. Hoje com outros donos, a casa que servia de sede, Redação e tipografia, na rua Barão do Rio Branco, não tem mais o nome pintado na alvenaria. “Viu a história acontecer e, hoje, passou a fazer parte dela”, resumiu a jornalista Lúcia Maria Silveira, no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) que resgatou a história do jornal, em 2000. Lúcia, que faleceu em 2012, era filha de Álvaro Silveira e neta de Antônio Bessa.

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