Mutirão de cirurgias de cataratas no RN: quase 6 meses depois, pacientes que perderam globo ocular não receberam indenização


Famílias de pacientes afetados entraram com ações na Justiça para tentar receber indenização maior. Prefeitura de Parelhas ofereceu R$ 50 mil para compensar danos morais e estéticos. Pacientes que tiveram infecção após cirurgia: Maria Izabel (esquerda), Rita de Cássia (centro) e Vitória Dantas (direita)
Divulgação
Quase seis meses após a realização do mutirão de cirurgias de catarata que resultou na infecção de pacientes e perda do globo ocular de pelo menos 10 deles, em Parelhas, na região Seridó potiguar, as pessoas afetadas ainda não receberam nenhum tipo de indenização do município.
O mutirão foi realizado pelo município, localizado a 245 km de Natal, nos dias 27 e 28 de setembro de 2024, faltando pouco mais de uma semana para as eleições municipais. No entanto, dos 20 pacientes que fizeram a cirurgia no primeiro dia, pelo menos 15 sofreram uma infecção bacteriana. Nos casos mais graves, as pessoas operadas perderam o olho afetado.
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A prefeitura de Parelhas ofereceu uma indenização, segundo os pacientes, de R$ 50 mil por danos morais e estéticos. Porém, a maior parte dos envolvidos não aceitou a oferta e ingressou com ações na Justiça.
De acordo com os familiares dos pacientes, apenas uma pessoa teria concordado com a proposta da prefeitura, para receber uma entrada de R$ 20 mil e outros R$ 30 mil de forma parcelada.
A advogada Fabiana Souza representa sete dos pacientes que perderam o globo ocular e diz que todos eles optaram pela judicialização do caso. Ela aguarda os trâmites dos processos.
“Já teve audiência de conciliação, mas não houve acordo. Teve audiência que o município nem foi, porque já sabia que a gente não iria aceitar a proposta deles. O dano foi muito grande e famílias inteiras tiveram que refazer suas vidas. Não foi um caso isolado, foram muitas pessoas, então é preciso que haja uma reparação justa e que pelo menos sirva de caráter pedagógico para o município”, disse.
De acordo com advogada, algumas famílias esperam pelo menos R$ 300 mil de indenização, sendo R$ 150 mil por danos morais e outros R$ 150 mil por danos estéticos.
O g1 procurou o município por meio da Procuradoria Municipal e Secretaria de Saúde, mas não teve as ligações atendidas ou mensagens respondidas até a última atualização desta reportagem.
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Vida transformada
Francisco dos Santos, de 62 anos, foi uma das pessoas que perdeu o olho após passar por mutirão de cirurgia de catarata em Parelhas, RN
Cedida
O aposentado Francisco Pedro dos Santos Neto, de 62 anos, perdeu o olho direito após passar pela cirurgia e sofrer a infecção. De acordo com o filho dele, Francimar Pedro dos Santos, o olho esquerdo do pai também está comprometido pela catarata e só conta com 10% da visão.
A família realizou uma campanha de arrecadação de recursos para fazer uma cirurgia em uma unidade de saúde privada, pode medo de que o Francisco tenha outra infecção durante o procedimento na rede pública.
“Ele dirigia carro, pilotava moto, mas agora ele não pode mais dirigir nem pilotar. Vive em casa, agora. Tem muita vontade de trabalhar, fazer alguma coisa, mas não pode mais”, afirma o filho.
A filha de outra paciente, que pediu para não ser identificada, relatou que a mãe vive com crises de ansiedade, desde que perdeu um dos olhos.
Prefeitura ofereceu R$ 50 mil
Prefeitura de Parelhas, no interior do Rio Grande do Norte
Ayrton Freire/Inter TV Cabugi
Prefeitura de Parelhas oferece indenização de R$ 50 mil para pacientes que perderam olho
Relatório apontou ‘falhas nos processos de trabalho’
Segundo a Secretaria de Saúde Pública do Rio Grande do Norte, a Vigilância em Saúde do estado finalizou o relatório sanitário de investigação sobre o caso em novembro de 2024. O levantamento constatou que o ambiente das cirurgias “já havia sido alterado” no momento da inspeção sanitária.
Apesar de não poder identificar precisamente a origem da contaminação que culminou nas infecções com danos aos pacientes, a Vigilância concluiu que houve uma “quebra de cadeia asséptica, com diversas falhas nos processos de trabalho, quantidade insuficiente de materiais para a demanda de pacientes atendidos, inadequações no processo de limpeza, desinfecção e esterilização dos materiais e não adesão a procedimentos e medidas básicas de prevenção e controle de infecções”.
A Suvisa ainda informou que teve seu poder de fiscalização prejudicado pelo fato de a empresa ter sede em outro estado e que encaminhou o relatório ao Ministério Público em dezembro passado.
Já o Ministério Público do Rio Grande do Norte informou que o inquérito civil que investiga o caso está em fase final de conclusão, aguardando o recebimento de um laudo pericial solicitado pela Promotoria responsável.
Justiça eleitoral multou prefeito
Em fevereiro, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte (TRE-RN) multou o prefeito reeleito de Parelhas, Tiago Almeida, e o vice, Humberto Alves Gondim, em R$ 25 mil pela realização do mutirão a oito dias das eleições municipais.
A decisão apontou que a ação violou o artigo 73, inciso 10 da Lei Eleitoral, que trata de condutas vedadas. Para o TRE, a distribuição gratuita de serviços de saúde não estava autorizada em lei específica e não teve execução orçamentária no ano anterior.
Em relação a outras duas acusações, a Justiça Eleitoral entendeu que não houve captação ilícita de sufrágio, pois não havia provas de que pacientes receberam pedidos de votos em troca das cirurgias, e também descartou abuso de poder econômico e político, pois não se comprovou desvio de finalidade ou benefício eleitoral direto.
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