Entre o descontrole e o experimento, “Amaríssima V2” reinventa a arte de Melly

MELLY
Foto: Edgar Azevedo

Desde que se entende por gente, Melly nunca conheceu um mundo sem música. Criada em um ambiente onde a arte era onipresente, a cantora cresceu rodeada de sons e melodias que a moldaram. Seu pai, também músico, transformou a própria casa em um estúdio, criando um espaço onde a experimentação sonora era natural.

“Eu nunca tive um momento na minha vida sem música”, conta a artista. “Nessa minha experiência na Terra, eu não sei dizer o que é passar um tempo, um minuto, sem ser cercada pela música.”

Essa relação de simbiose com a arte levou Melly a enxergar a música não apenas como um ofício, mas como uma forma de expressão essencial para sua existência. “Eu uso a música como válvula de escape para compor sobre os meus sentimentos, também uso para compor sobre o que eu observo, e às vezes ela me usa”, reflete. E foi assim, através dessa conexão profunda, que nasceu Amaríssima (2024), seu primeiro álbum de estúdio. Agora, com o lançamento de Amaríssima V2, ela ressignifica sua própria obra, abrindo espaço para novas vozes e interpretações.

A sonoridade de Melly é marcada pela autenticidade afro-baiana, um reflexo direto do lugar onde nasceu e cresceu. “Ter nascido na Bahia me fez estar sempre rodeada de afropercussividade, dos blocos afros. Tudo isso gravado na memória modifica a nossa percepção, o nosso entendimento de pertencimento”, explica. A artista vê sua música como um prolongamento natural desse cenário, carregando em sua voz e composições as nuances dessa identidade cultural tão rica.

Amaríssima: do platonismo ao realismo

Se Amaríssima foi um disco sobre amadurecimento e aprendizado, Amaríssima V2 representa um novo passo dentro desse processo. “Eu falei muito do meu platonismo com a música nesse disco. Porque ele fala muito sobre amadurecer”, reflete Melly. “Eu tive um choque de realidade e idealização quando comecei a trabalhar com a música. Percebi que o trabalho também cansa, que mesmo amando o que faço, essa alma itinerante me tira o pertencimento de algum lugar.”

Diante desse amadurecimento, Amaríssima V2 surge como um experimento de desapego. Acostumada a ter controle sobre todas as etapas de sua criação, Melly optou por ceder espaço para outros artistas imprimirem suas próprias leituras em suas canções. “Eu achei muito interessante que o V2 fosse um lugar em que eu não tivesse de fato controle de nada. Nunca tinha deixado isso acontecer”, revela.

O processo de releituras e parcerias

Para essa nova versão, Melly recrutou artistas que influenciaram sua trajetória e cujo trabalho admira profundamente. Entre as colaborações estão nomes como Karol Conká, Luccas Carlos, Duda Beat e Carlos do Complexo. “Karol Conká e Luccas Carlos me formaram muito musicalmente com sua arte”, afirma a cantora. “Duda Beat foi a mesma coisa. Eu fiquei encantada com o pertencimento do disco, vendo como ela conseguiu transcrever Pernambuco na fala, na gíria, no sonoro.”

Outro destaque do projeto é a participação de Duda Raupp, produtor revelado através de um concurso aberto ao público. A ideia de incluir um talento emergente reflete o desejo de Melly de criar conexões autênticas com seu público e de abrir portas para novos artistas. “Essa extensão do disco é um segundo aprendizado, é um lugar onde deixei acontecer sem mim”, define.

O R&B no Brasil e os próximos passos

Apesar de carregar o R&B como uma de suas bases, Melly entende os desafios do gênero no Brasil. “Acho que o R&B, por ser uma nomenclatura muito americanizada, não é propagado da melhor maneira por aqui”, reflete. “Mas ele influenciou muito o pagode dos anos 90 e 2000. Djavan é R&B, Tim Maia também. A questão é que transmutamos isso para outra faceta.”

O lançamento de Amaríssima V2 marca o fim de um ciclo e o início de uma nova fase na carreira da artista. “Eu vejo que a minha arte chegou num lugar onde consegui entregar o que queria dizer. Agora eu tenho um local para continuar dizendo, para continuar lançando”, afirma. “Quero me arriscar muito mais e aprender muito mais com a música. Esse Volume 2 marca o fim desse momento de amadurecimento, onde eu vou ter outra perspectiva do que pode ser dito.”

Com novas histórias para contar e sem pressa para um novo álbum, Melly promete lançar singles ao longo do ano. “Eu quero me manter nesse lugar do popular, desse lugar do próprio, desse lugar que eu já me estabeleci”, conclui. E, pelo visto, sua voz segue ecoando, transformando, emocionando e ressignificando a música brasileira.

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