Custo de conclusão de Angra 3 gera embate no governo e equipe econômica defende abandono da obra

A discussão sobre custos para a conclusão da usina nuclear de Angra 3 após mais de 40 anos do início das obras abriu divergências entre áreas do governo Luiz Inácio Lula da Silva, com a equipe econômica defendendo internamente que o empreendimento seja abandonado, disseram duas fontes com conhecimento do assunto.

O veredito sobre a conclusão das obras passa pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que postergou a decisão mais uma vez em reunião nesta terça-feira, após adiamento no ano passado.

Segundo o Ministério de Minas e Energia, o assunto deve ser discutido na próxima reunião do CNPE, ainda sem data definida. De acordo com uma fonte que acompanha as discussões, o novo encontro do Conselho deve ser agendada para março.

“Briga grande. A força para não fazer é que não tem dinheiro. Quem vai reduzir o Orçamento para permitir o aporte? De onde sai o dinheiro?,” disse uma das fontes da equipe econômica, num momento em que o governo já luta para colocar no Orçamento da União gastos que não tinham sido inicialmente considerados para este ano.

Estudo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) estimou que a finalização da usina demandaria R$ 23 bilhões em investimentos, além dos R$ 12 bilhões já aplicados até o momento. Seriam necessários mais cinco anos de obras, além dos prazos de licitação, segundo a Eletronuclear, responsável pela usina.

Por outro lado, de acordo com o BNDES, uma decisão pelo abandono da obra teria um custo de R$ 21 bilhões, incluindo despesas com rescisões de contratos, desmobilização de canteiro, devolução de benefícios fiscais e penalidades pelo cancelamento de financiamentos incentivados.

Uma segunda fonte da equipe econômica disse que o Ministério da Fazenda traçou cenários alternativos, com o custo da construção podendo chegar a R$ 30 bilhões. Para essa autoridade, o valor de geração da energia com a eventual conclusão da obra também seria elevado e poderia pesar na conta de luz.

“Pode fazer sentido do ponto de vista da política energética, mas do ponto de vista da política econômica e financeira, a gente não consegue justificar”, disse.

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Enfático defensor da conclusão da usina, o presidente da Eletronuclear, Raul Lycurgo Leite, afirmou à Reuters que o custo de geração, estimado em R$ 653 por megawatt-hora, deve ser avaliado em comparação com outras usinas térmicas, que apresentam valores compatíveis.

Após afirmar que a Eletronuclear planeja ir a mercado para captar a maior parte do custo de conclusão da obra, minimizando o peso para o Tesouro Nacional, Leite ainda argumentou que a usina nuclear é estratégica por ser sustentável e ter potencial de geração contínua, diferentemente de modelos como usinas eólicas e solares.

“Sem a menor dúvida, eu defendo a finalização… O pior projeto de infraestrutura é o projeto parado”, disse, destacando que o custo de manutenção da obra paralisada de Angra 3 supera R$ 1 bilhão por ano.

Também defensor do empreendimento, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse em novembro do ano passado no lançamento do Plano Decenal de Expansão de Energia, que “nós temos que terminar” a construção do que chamou de “mausoléu” de Angra 3.

Iniciada na década de 1980, a obra de Angra 3 foi paralisada em mais de uma ocasião por falta de recursos, além de uma interrupção em 2015 por suspeitas de corrupção apontadas na Operação Lava Jato. Em 2022, uma nova tentativa de retomada fracassou e o contrato com o consórcio responsável pela construção acabou rescindido.

A discussão sobre a obra tem como pano de fundo divergências entre governo e Eletrobras, que tem participação na usina. A União questiona em ação no Supremo Tribunal Federal o peso que tem nas votações do conselho da Eletrobras após sua privatização em 2022. A Eletrobras vinculou o acordo sobre a participação a uma decisão sobre Angra 3.

Em tentativa de acordo para colocar fim à disputa, a Eletrobras propôs deixar sua participação acionária na Eletronuclear, além de se desobrigar de um acordo no qual se comprometeu a fazer parte dos investimentos para a conclusão de Angra 3, conforme fato relevante divulgado pela companhia em dezembro.

No entanto, não há solução para o impasse até o momento e o STF ainda não tomou uma decisão final sobre o tema, o que amplia incertezas sobre o destino de Angra 3.

“Lamentavelmente eu acho que essa reunião (do CNPE) vai ser atrasada novamente,” disse o deputado Julio Lopes (PP-RJ), presidente da Frente Parlamentar Mista da Tecnologia e Atividades Nucleares, pontuando que enquanto o governo não aumentar sua participação no conselho da Eletrobras, é provável que o impasse continue.

Procurados, os ministérios da Fazenda e do Planejamento informaram que não vão comentar. A Casa Civil e o Ministério de Minas e Energia não responderam ao pedido de comentário sobre a conclusão da obra.

A Eletrobras informou que mantém a posição apresentada no fato relevante de dezembro. A Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBPar), empresa pública que controla a Eletronuclear, disse que a conclusão da obra é “importante para a segurança energética do Brasil e o processo de transição energética”.

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