Informativo STJ Extraordinário 22 Comentado

Informativo nº 837 do STJ COMENTADO.

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DIREITO ADMINISTRATIVO

1.     (Im)Possibilidade de enfermeiras obstétricas realizarem partos desacompanhadas de médico

Enfermeiras obstétricas podem realizar parto domiciliar sem distocias independentemente da presença ou assistência direta de profissional médico.

REsp 2.099.736-RJ, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 20/8/2024, DJe 26/8/2024. (Info STJ Ext nº 22)

1.1.  Dos FATOS.

Creide, enfermeira obstétrica, realiza partos humanizados domiciliares, atendendo demanda de gestações de baixo risco. O CRM ficou sabendo e não gostou nada nada de que Creide vinha atuando sem a presença de um médico no local. O conselho então ajuizou ação para proibir Creide de realizar tais partos.

Na ação, o CRM alega que os enfermeiros obstétricos podem acompanhar partos normais sem distocia, mas desde que façam parte de uma equipe de saúde.

1.2.  Análise ESTRATÉGICA.

1.2.1.    Do DIREITO.

Lei n. 7.498/1986:

Art. 11. O Enfermeiro exerce todas as atividades de enfermagem, cabendo-lhe:

II – como integrante da equipe de saúde:

a) participação no planejamento, execução e avaliação da programação de saúde;

b) participação na elaboração, execução e avaliação dos planos assistenciais de saúde;

c) prescrição de medicamentos estabelecidos em programas de saúde pública e em rotina aprovada pela instituição de saúde;

d) participação em projetos de construção ou reforma de unidades de internação;

e) prevenção e controle sistemático da infecção hospitalar e de doenças transmissíveis em geral;

f) prevenção e controle sistemático de danos que possam ser causados à clientela durante a assistência de enfermagem;

g) assistência de enfermagem à gestante, parturiente e puérpera;

h) acompanhamento da evolução e do trabalho de parto;

i) execução do parto sem distocia;

j) educação visando à melhoria de saúde da população.

Parágrafo único. As profissionais referidas no inciso II do art. 6º desta lei incumbe, ainda:

a) assistência à parturiente e ao parto normal;

b) identificação das distocias obstétricas e tomada de providências até a chegada do médico;

c) realização de episiotomia e episiorrafia e aplicação de anestesia local, quando necessária.

1.2.2.    Dos FUNDAMENTOS.

A controvérsia consiste em definir se as enfermeiras obstétricas podem realizar parto domiciliar sem a presença de profissional médico.

O art. 11, II, da Lei n. 7.498/1986 disciplina as hipóteses em que os enfermeiros podem atuar simultaneamente aos demais profissionais de saúde, estando ali listada a possibilidade de executar parto sem distocia, sendo que a norma principal (do inciso em exame) autoriza aos enfermeiros a execução direta do parto sem distocia (sem perturbação), não condicionando a realização do ato à assistência direta de um médico.

O dispositivo em momento algum menciona a figura do médico, pois na norma do inciso II do art. 11 fala em “integrante de equipe de saúde”, e no parágrafo único do mesmo dispositivo emprega a expressão “assistência à parturiente”, e não ao médico; ou melhor, a norma interpretada não traz, em nenhum momento, a necessidade da presença de um médico em si, nem mesmo na referida equipe de saúde.

A lei (n. 12.842/2013) do ato médico também não contém a previsão de que a identificação da distocia é exclusiva do médico. Na realidade, privativos são os atos de emissão de laudos, prognóstico e identificação de doença (art. 4º, VII, X e XIII), mas não a identificação da distocia, ou seja, percebendo a perturbação para o bom andamento do parto (distocia), compete à enfermeira obstétrica encaminhar o paciente ao médico (art. 11, parágrafo único, b, da Lei n. 7.498/1986), e então o médico (aí sim) terá a competência exclusiva para, se for o caso, determinar a doença que acomete a paciente.

Dessa forma, se o profissional de enfermagem obstetrícia necessitasse da presença de um médico para a execução do parto normal sem distocia, não faria sentido a disposição legal expressa determinando que a enfermeira, ao identificar (ela mesma) distocias obstétricas, deveria tomar as providências até a chegada do médico.

Ademais, a Portaria n. 353/2017, do Ministério da Saúde, que aprovou as Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal, expressamente previu que “a assistência ao parto e nascimento de baixo risco que se mantenha dentro dos limites da normalidade pode ser realizada tanto por médico obstetra quanto por enfermeira obstétrica e obstetriz”.

1.2.3.    Da DECISÃO.

Enfermeiras obstétricas podem realizar parto domiciliar sem distocias independentemente da presença ou assistência direta de profissional médico.

2.     LIA e continuidade típico-normativa

Não há abolição da tipicidade da conduta de improbidade administrativa, reconhecida antes das alterações dadas pela Lei 14.230/2021, quando os fatos analisados evidenciarem a concretização das novas hipóteses de condutas previstas nos incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa (LIA), em razão do princípio da continuidade típico-normativa.

REsp 2.061.719-TO, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 27/8/2024, DJe 2/9/2024. (Info STJ Ext nº 22)

2.1.  Dos FATOS.

Crementina, prefeita do Município de Tranqueira, e seu esposo Creiton, foram denunciados pela prática de improbidade administrativa. Conforme a denúncia, a prefeitura teria contratado o Açougue Bife, empresa de fachada vinculada ao Supermercado Caro, este último de propriedade de Creiton, para fornecer merenda escolar.

Para o MP, a contratação direta ocorrida viola os princípios da moralidade e impessoalidade. Após a modificação da LIA, os réus alegaram que agora as condutas do art. 11 formariam rol taxativo e não mais exemplificativo, o que excluiria a tipicidade da conduta.

2.2.  Análise ESTRATÉGICA.

2.2.1.    Do DIREITO.

Lei 14.230/2021:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas:         

§ 1º Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. 

2.2.2.    Dos FUNDAMENTOS.

No caso, foi reconhecida a ocorrência de fraude levada a efeito por ex-Prefeita e por ex-Secretário de Finanças de Município quando da contratação, sem licitação, de empresas fantasmas com o objetivo de legitimar o fornecimento de produtos a Município do Estado do Tocantins pelo supermercado de propriedade dos agentes públicos.

Os réus foram condenados com base nos arts. 10 e 11 da Lei de Improbidade Administrativa (LIA), ao ressarcimento integral do prejuízo causado ao erário, à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos, ao pagamento de multa civil equivalente a duas vezes o valor do dano apurado em liquidação e à proibição de contratar com o Poder Público pelo prazo de cinco anos, sendo a condenação mantida em segunda instância.

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido, paulatinamente, a aplicabilidade das alterações levadas a efeito pela Lei 14.230/2021 aos processos anteriores à sua entrada em vigor, quando ainda não houver trânsito em julgado, tendo em vista a configuração, em muitos dos seus aspectos, de verdadeira novatio legis in mellius. Esse movimento teve gênese nas conclusões a que chegou o Supremo Tribunal Federal (STF) quando do julgamento, sob o rito da repercussão geral, do ARE 843.989 (Tema n. 1199/STF).

Com base na ratio decidendi lá fixada, o próprio STF estendeu para outras hipóteses que não apenas aquela ligada ao afastamento dos atos meramente culposos do âmbito do art. 10 da LIA. Foram alcançados casos em que a condenação teve por base uma genérica violação aos princípios administrativos (caput do art. 11 da LIA) ou, ainda, quando baseada nos revogados incisos I e II do art. 11, sem que os fatos tipificassem, mediante dolo específico, alguma das atuais figuras previstas taxativamente em seus incisos.

A necessidade do dolo específico permeou fortemente as alterações trazidas pela Lei 14.230/2021, bastando ver o disposto no § 1º do art. 11, a estabelecer: Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade.

O agente perpetrador do fato ímprobo que viola os princípios administrativos, tipificando alguma das hipóteses legais, deverá ter visado fim ilícito, seja de ocultação de irregularidades, seja de obtenção de benefício indevido, não bastando a mera vontade de realizar ato em desconformidade com a lei, consoante enuncia o § 2º do art. 1º da LIA: “Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”.

No entanto, não haverá que se falar em abolição da tipicidade da conduta, como já reconhecido no AREsp 1.206.630, quando os fatos considerados no acórdão como violadores dos princípios administrativos remanescerem típicos no mesmo dispositivo de lei (em algum dos seus incisos).

Nessas hipóteses, em que os fatos evidenciam a concretização das novas condutas previstas no art. 11 da LIA e, ainda, a presença do dolo específico, estará evidenciada verdadeira continuidade típico-normativa, hipótese a exigir, apenas, a adequação das penalidades aplicadas, observando-se, agora, as sanções fixadas pela Lei 14.230/2021, quando mais benéficas aos condenados.

Dessa forma, tendo-se em vista que os fatos constatados evidenciam a tipificação da hipótese prevista no art. 11, inciso V, da LIA, e corroboram a presença do dolo específico por parte dos demandados, é de rigor a manutenção da condenação anteriormente reconhecida.

2.2.3.    Da DECISÃO.

Não há abolição da tipicidade da conduta de improbidade administrativa, reconhecida antes das alterações dadas pela Lei 14.230/2021, quando os fatos analisados evidenciarem a concretização das novas hipóteses de condutas previstas nos incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa (LIA), em razão do princípio da continuidade típico-normativa.

3.     (I)Licitude da cobrança pela concessionária de tarifa por esgoto não coletado ou despejado in natura nas galerias pluviais, sem qualquer tratamento.

Não é lícita a cobrança pela concessionária de tarifa por esgoto não coletado ou despejado in natura nas galerias pluviais, sem qualquer tratamento.

AgInt no REsp 2.115.320-RJ, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 14/10/2024, DJe 17/10/2024. (Info STJ Ext nº 22)

3.1.  Dos FATOS.

A concessionária Fluvial presta o serviço de esgotamento no Município Trancos, realizando a coleta e transporte dos dejetos, mas não o tratamento final. Ainda assim, a concessionária cobra a tarifa de esgotamento sanitário.

Ocorre que além de não realizar o tratamento, Fluvial apenas despeja o dejeto in natura em valões pela cidade. Crementino, ao descobrir isso, ficou revoltado por ter que pagar sem receber qualquer serviço. Ajuizou ação em face da empresa.

Em sua defesa, Fluvial alega que o STJ possui entendimento no sentido da possibilidade de cobrança de taxa, mesmo que não prestadas todas as etapas do serviço.

3.2.  Análise ESTRATÉGICA.

3.2.1.    Dos FUNDAMENTOS.

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial Representativo de Controvérsia n. 1.339.313/RJ, definiu que “A legislação que rege a matéria dá suporte para a cobrança da tarifa de esgoto mesmo ausente o tratamento final dos dejetos, principalmente porque não estabelece que o serviço público de esgotamento sanitário somente existirá quando todas as etapas forem efetivadas, tampouco proíbe a cobrança da tarifa pela prestação de uma só ou de algumas dessas atividades”.

Todavia, o caso em apreço é diferente. Isso porque as instâncias ordinárias fixaram a premissa de que os dejetos da residência do autor são encaminhados para valão próximo à residência, sem qualquer tratamento. Logo, não é lícita a cobrança por esgoto não coletado ou despejado in natura nas galerias pluviais.

Conforme entendimento pacífico do STJ, a questão deixa de ser relativa a tratamento de resíduos, transformando-se em poluição pura e simples, não havendo direito a ser reclamado por serviço inexistente (AgInt no REsp n. 2.068.061/RJ, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 24/6/2024, DJe de 28/6/2024).

3.2.2.    Da DECISÃO.

Não é lícita a cobrança pela concessionária de tarifa por esgoto não coletado ou despejado in natura nas galerias pluviais, sem qualquer tratamento.

4.     Aplicabilidade da prescrição quinquenal do Decreto n. 20.910/1932 nos casos em que a devedora é a Fazenda Pública

Aplica-se a prescrição quinquenal do Decreto n. 20.910/1932 nos casos em que a devedora é a Fazenda Pública, seja a dívida tributária ou não tributária.

AgInt no REsp 2.138.876-SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 14/10/2024, DJe 17/10/2024. (Info STJ Ext nº 22)

4.1.  Dos FATOS.

Além do serviço de esgotamento no Município Trancos, a concessionária Fluvial também é responsável pelo fornecimento de água na cidade. O município em questão deixou de pagar as tarifas de água dos prédios públicos de 2007 a 2009.

Em 2015, Fluvial ajuizou ação de cobrança em face do município, requerendo a condenação ao pagamento do valor devido. O município alegou em sua defesa a prescrição quinquenal prevista no Decreto n. 20.910/1932.

4.2.  Análise ESTRATÉGICA.

4.2.1.    Do DIREITO.

Código Civil/2002:

Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

4.2.2.    Dos FUNDAMENTOS.

A Primeira Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.117.903/RS, sob o rito dos recursos repetitivos, firmou o entendimento de que a cobrança das tarifas de água e esgoto submetem-se à prescrição decenal, prevista no artigo 205 do Código Civil/2002 ou à prescrição vintenária – artigo 177 do Código Civil de 1916 – quando for aplicável a regra de transição prevista no artigo 2.028 do Código Civil de 2002.

Todavia, o precedente refere-se aos casos em que a ação de cobrança é ajuizada em desfavor de concessionárias prestadoras de serviço público de água e esgoto – pessoas jurídicas de direito privado -, e não contra a Fazenda Pública.

Para os casos em que a devedora é a Fazenda Pública, seja a dívida tributária ou não tributária, a Primeira Seção do STJ já consolidou o entendimento de que prevalece a norma específica do Decreto n. 20.910/1932, que estabelece que o prazo prescricional para a propositura da ação de cobrança é de 5 anos.

4.2.3.    Da DECISÃO.

Aplica-se a prescrição quinquenal do Decreto n. 20.910/1932 nos casos em que a devedora é a Fazenda Pública, seja a dívida tributária ou não tributária.

5.     Direito do notário à titularidade do cartório em sua configuração original

A legislação brasileira preserva a nomeação do notário ou oficial de registros para o cargo, mas não garante que o nomeado seja mantido no mesmo cartório, podendo haver mudanças em sua lotação, por meio da anexação, desanexação ou desmembramento.

AgInt no RMS 71.477-RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 13/8/2024, DJe 16/8/2024. (Info STJ Ext nº 22)

5.1.  Dos FATOS.

Norton, aluno do ECJ, foi aprovado em concurso e assumiu a titularidade de um cartório que acumulava múltiplas serventias, incluindo Tabelionato de Protesto de Títulos, Registro de Imóveis, Registro Civil das Pessoas Jurídicas e Registro de Títulos e Documentos Registro Civil das Pessoas Naturais.

Algum tempo depois, uma modificação na lei estadual determinou a desanexação do Tabelionato de Protesto de Títulos para transferi-lo para o Tabelionato de Notas do município.

Norton ficou indignado e impetrou Mandado de Segurança no qual alega a violação de seu direito à titularidade do cartório em sua configuração original.

5.2.  Análise ESTRATÉGICA.

5.2.1.    Do DIREITO.

Constituição Federal:

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

§ 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.

5.2.2.    Dos FUNDAMENTOS.

A posição do Supremo Tribunal Federal é conhecida quanto à desanexação de serventias judiciais desanexadas, consubstanciada na Súmula n. 46/STF, interpretada de forma transversa (porquanto seu enunciado não diz, ao menos expressamente) que desanexação de serventias não feriria o princípio da vitaliciedade, mas que “Desmembramento de serventia de justiça não viola o princípio de vitaliciedade do serventuário”.

A desanexação estará, portanto, ligada intrinsecamente à natureza jurídica do desmembramento do cartório a saber, dependerá da interpretação da legislação aplicável aos serviços notariais e de registro. Além disso, reflete o volume de serviços e da receita, nos termos do art. 26, parágrafo único, da Lei n. 8.935/1994, combinado com o art. 49.

E, complementa-se, no Título IV, “Das Disposições Transitórias”, o texto dos artigos 47 e 49 que assim prescreve que, para o notário e o oficial de registro, legalmente nomeados até 5/10/1988, detém delegação constitucional de que trata o art. 2º, quando da primeira vacância da titularidade de serviço notarial ou de registro, será procedida a desacumulação, nos termos do art. 26.

A Constituição Federal, em seu art. 236, expressamente prevê que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. No texto constitucional, não se menciona uma eventual “sub-delegação”, ou seja, não poderia, em tese, o delegatário, subdelegar a delegação que recebeu do Poder Público.

O §3º do art. 236 da Constituição Federal expressamente prevê, que “O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses”.

A Lei n. 8.935/2014, que regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, expressamente consigna em seu art. 18, parágrafo único, (Título II – Das Normas Comuns – Capítulo I – Do ingresso na Atividade Notarial e de Registro) que “aos que ingressarem por concurso, nos termos do art. 236 da Constituição Federal, ficam preservadas todas as remoções reguladas por lei estadual ou do Distrito Federal, homologadas pelo respectivo Tribunal de Justiça, que ocorreram no período anterior à publicação da Lei 8.935/2014”. Ou seja, a lei estadual ou do Distrito Federal preserva todas as remoções.

Contudo a Lei estadual do Rio Grande do Sul n. 11.183/1998, anterior à lei de desanexação também estadual (Lei n. 15.809/2022), disciplina em seu art. 23, § 2º, que a vacância somente ocorre nos casos de morte, aposentadoria facultativa ou por invalidez, renúncia ou perda.

Desse modo, não há inconstitucionalidade ou ilegalidade na Lei estadual n. 11.183/1998, porquanto preserva no exercício do cargo o notário ou oficial que ingressou por concurso público. Isso, contudo, aponta para o fato de que esse notário pode ser anexado ou desanexado a cartório de um mesmo município, pois é disso que se trata a desanexação ou anexação (modificação na distribuição de cartórios dentro ou próximos a uma mesma municipalidade).

Vale dizer, fica preservada a nomeação do notário ou oficial de registros para o cargo, mas não se garante que o nomeado seja mantido no mesmo cartório, podendo haver mudanças em sua lotação. Esse é o entendimento que se assenta no art. 24 da mesma Lei n. 11.183/1998.

5.2.3.    Da DECISÃO.

A legislação brasileira preserva a nomeação do notário ou oficial de registros para o cargo, mas não garante que o nomeado seja mantido no mesmo cartório, podendo haver mudanças em sua lotação, por meio da anexação, desanexação ou desmembramento.

6.     Limites da coisa julgada em ação coletiva

Não havendo delimitação expressa dos seus limites subjetivos, a coisa julgada advinda da ação coletiva proposta por sindicato deve alcançar todas as pessoas abrangidas pela categoria profissional, e não apenas pelos seus filiados, podendo, ainda, ser aproveitada por trabalhadores vinculados a outro ente sindical, desde que contidos no universo daquele mais abrangente.

AgInt no AgInt no AgInt no AREsp 2.189.867-MA, Rel. Ministro Teodoro Silva Santos, por unanimidade, Segunda Turma, julgado em 8/8/2024, DJe 15/8/2024. (Info STJ Ext nº 22)

6.1.  Dos FATOS.

Em 2005, um sindicato de servidores ajuizou ação coletiva na qual buscava diferenças salariais para os servidores. A sentença foi favorável e transitou em julgado. Mirna, enfermeira, era representada por um sindicato mais específico, o Sindicato dos Enfermeiros daquele estado.

Ainda assim, ajuizou execução individual daquela sentença. O ente estadual se opôs e alegou que Mirna não era filiada ao sindicato originalmente autor da ação coletiva.

6.2.  Análise ESTRATÉGICA.

6.2.1.    Dos FUNDAMENTOS.

A questão jurídica cinge-se em definir se, no caso dos Sindicatos, os “integrantes da categoria” que são por eles representados se resumiriam aos filiados ao sindicato autor da ação coletiva.

O processo coletivo é informado pelos princípios da economia processual, do máximo benefício e da máxima efetividade, superando a lógica tradicional do processo individualista, ao ampliar as partes que poderão executar o título judicial formado na fase de conhecimento. Por isso, o legitimado coletivo que atua como substituto processual representa todo o grupo substituído, independentemente de filiação ou associação, irradiando para terceiros os efeitos da coisa julgada coletiva.

Na hipótese, o fato de a ação ter sido proposta por sindicato que representa a generalidade dos servidores públicos estaduais não exclui a representatividade daqueles filiados a ente sindical mais específico – que, de outro modo, estariam abrangidos por aquela entidade, na mesma base territorial -, desde que mantidos os pressupostos fáticos e jurídicos decorrentes da origem comum do mesmo direito.

Isso ocorre porque os institutos descritos na legislação trabalhista não tangenciam o microssistema da tutela coletiva, de modo que os filiados a outro sindicato, pertencentes à mesma categoria profissional ou base estatutária, podem se beneficiar dos efeitos do título coletivo, salvo se houver expressa limitação subjetiva dos substituídos na sentença coletiva, o que não ocorreu na espécie.

Com isso, é inviável reconhecer a ilegitimidade ativa da parte exequente fundada apenas nas regras celetistas da unicidade e especificidade sindicais, ou na ausência do seu nome na listagem inicial ou na liquidação coletiva, pois tal coisa julgada deve beneficiar o maior número de pessoas que se enquadrem na mesma situação jurídica, a ser aferida caso a caso pelo juízo executivo.

Os sindicatos, na qualidade de substitutos processuais, têm ampla legitimidade extraordinária para atuar judicialmente na defesa dos interesses coletivos de toda a categoria que representam, estejam eles nominados ou não em listagem, seja para promover a ação de conhecimento ou mesmo a execução do julgado.

Portanto, caso a sentença coletiva não tenha uma delimitação expressa dos seus limites subjetivos, especificando os beneficiários do título executivo judicial, a coisa julgada advinda da ação coletiva deve alcançar todas as pessoas abrangidas pela categoria profissional, e não apenas pelos seus filiados, podendo, ainda, ser aproveitada por trabalhadores vinculados a outro ente sindical, desde que contidos no universo daquele mais abrangente.

6.2.2.    Da DECISÃO.

Não havendo delimitação expressa dos seus limites subjetivos, a coisa julgada advinda da ação coletiva proposta por sindicato deve alcançar todas as pessoas abrangidas pela categoria profissional, e não apenas pelos seus filiados, podendo, ainda, ser aproveitada por trabalhadores vinculados a outro ente sindical, desde que contidos no universo daquele mais abrangente.

DIREITO AMBIENTAL

7.     Competência interna do STJ para o processamento e julgamento de recursos especiais interpostos no âmbito de execução de acordo celebrado em transação penal, quando a matéria principal a ser discutida é de natureza ambiental e administrativa

Compete às Turmas da Primeira Seção o processamento e julgamento de recursos especiais interpostos no âmbito de execução de acordo celebrado em transação penal, quando a matéria principal a ser discutida é de natureza ambiental e administrativa, ainda que a obrigação decorra de transação penal.

CC 204.530-DF, Rel. Ministro Raul Araújo, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 7/8/2024, DJe 4/9/2024. (Info STJ Ext nº 22)

7.1.  Dos FATOS.

Barrancos Administradora de Bens foi autuada por realizar loteamento em área de preservação permanente sem autorização para tanto. Com o intuito de evitar a denúncia, a empresa optou por aceitar a proposta de transação penal ofertada pelo MPF.

Ficou combinado no acordo da transação que a empresa recuperaria a área de acordo com projeto a ser elaborado pelo IBAMA. Pouco depois de homologado o acordo, o governo federal iniciou obras para construir uma rodovia que passava na área em questão, o que descaracterizou a APP. Barrancos então alega que não faria mais sentido recuperar a área. O MPF sustenta a continuidade da obrigação.

Por fim, iniciou-se debate acerca da Turma competente para julgar o tema.

7.2.  Análise ESTRATÉGICA.

7.2.1.    Dos FUNDAMENTOS.

Nos termos do art. 9º, caput, do RISTJ, a competência das Seções e das respectivas Turmas do Superior Tribunal de Justiça é fixada em função da natureza da relação jurídica litigiosa.

No caso, o título executivo judicial que embasa a demanda é derivado de transação penal, firmada nos termos dos artigos 72 a 74 da Lei n. 9.099/1995, entre a sociedade empresária e o Ministério Público Federal, no âmbito de Representação Criminal. O ajuste entabulado entre as partes consistia na composição dos danos ambientais e recuperação da área degradada, o que seria feito após a aprovação de Projeto de Recuperação pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). O Parquet Federal promoveu o cumprimento da sentença que homologou a aludida transação penal, que tramitou, na origem, perante juízos de competência cível, administrativa e ambiental. Durante a fase executória, foi travada discussão acerca de eventual impossibilidade de dar cumprimento à obrigação de fazer assumida, em virtude de obra de duplicação de uma rodovia que iria atingir a área a ser recuperada.

Não obstante o título executivo judicial tenha se originado de uma transação penal, a obrigação assumida não teve caráter punitivo e foi aceita pela parte justamente para evitar a persecução criminal, a qual, de fato, nem sequer foi iniciada.

Uma vez realizada a transação penal, caso não fosse cumprido o acordo firmado, seria possível o oferecimento da denúncia e o início do processo penal contra aquele que descumpriu a obrigação imposta, ou, no âmbito cível, executar-se o acordo firmado por meio de uma ação de cumprimento de sentença, conforme ocorreu no caso. Destarte, nos autos do cumprimento de sentença, não caberia perquirir a razão pela qual surgiu a transação penal, uma vez que já foi constituído o título executivo judicial, cujos termos obrigam a parte que aceitou o acordo então firmado para recuperação ambiental. Logo, a matéria principal a ser discutida é de natureza ambiental, pois, a princípio, o fato de a obrigação decorrer de transação penal é questão que não interfere diretamente no desfecho da controvérsia.

Assim, tratando-se de recursos especiais interpostos no âmbito de execução de acordo que determinou a recuperação ambiental pela sociedade empresária de área de preservação permanente – que, em posterior momento, aparentemente, foi desconfigurada -, a discussão acerca da manutenção, ou não, da obrigação acordada tem caráter nitidamente de direito ambiental, direito administrativo, o que recomenda o reconhecimento da competência das Turmas que compõem a Primeira Seção, de Direito Público.

Acrescenta-se, por oportuno, que, no tribunal de origem, também surgiu controvérsia acerca da competência interna para processamento e julgamento do recurso lá interposto. No entanto, ao final, concluiu-se pela prevalência da matéria de Direito Administrativo, sendo certo que a execução do acordo acabou tramitando perante juízos de competência cível, administrativa e ambiental.

7.2.2.    Da DECISÃO.

Compete às Turmas da Primeira Seção o processamento e julgamento de recursos especiais interpostos no âmbito de execução de acordo celebrado em transação penal, quando a matéria principal a ser discutida é de natureza ambiental e administrativa, ainda que a obrigação decorra de transação penal.

8.     Licença ambiental de outro ente e atuação do IBAMA.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) possui o dever-poder de fiscalizar e exercer poder de polícia diante de qualquer atividade que ponha em risco o meio ambiente, ainda que a competência para o licenciamento seja de outro órgão público.

AgInt no AREsp 1.624.736-MS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 2/12/2024, DJEN 5/12/2024. (Info STJ Ext nº 22)

8.1.  Dos FATOS.

Tadeu resolveu construir complexo turístico ao lado de um rio, mas a área é considerada como sendo de preservação permanente (APP). O município expediu licença ambiental para tanto.

Algum tempo depois o IBAMA realizou uma fiscalização de rotina na qual constatou que a construção causava significativos danos ao meio-ambiente, incluindo a alteração do curso natural do rio, o que resultou na aplicação de multa e determinação de paralisação da obra.

Inconformado, Tadeu ajuizou ação na qual alega a ilegitimidade da atuação do IBAMA, uma vez que o município já havia expedido licença para a obra.

8.2.  Análise ESTRATÉGICA.

8.2.1.    Dos FUNDAMENTOS.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4.757/DF, firmou compreensão no sentido de que “a prevalência do auto de infração lavrado pelo órgão originalmente competente para o licenciamento ou autorização ambiental não exclui a atuação supletiva de outro ente federal, desde que comprovada omissão ou insuficiência na tutela fiscalizatória”.

Trata-se de compreensão referente ao cabimento de autuações diversas, sendo essas impostas por órgãos de controle ambiental que atuam em diferentes âmbitos federativos. Nesses casos, entende-se pela prevalência do auto de infração lavrado pelo órgão originalmente competente para o licenciamento, mas sem prejuízo da atuação supletiva de outro ente federal, quando demonstrada a omissão administrativa na tutela fiscalizatória.

Por sua vez, o STJ entende que “o Ibama possui o dever-poder de fiscalizar e exercer poder de polícia diante de qualquer atividade que ponha em risco o meio ambiente, apesar de a competência para o licenciamento ser de outro órgão público. É que, à luz da legislação, inclusive da Lei Complementar 140/2011, a competência para licenciar não se confunde com a competência para fiscalizar” (REsp 1.646.016/RN, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 23/5/2023, DJe 28/6/2023).

Na hipótese ora analisada, não foi imposta sanção administrativa no âmbito municipal, pelo que deve permanecer hígida a atuação do órgão federal quanto ao exercício do poder de polícia ambiental.

Ademais, insta salientar que, “in casu, não foi corporificado ato jurídico perfeito, pois o que é ambientalmente ilegal não se aperfeiçoa jamais, já que o contrário equivaleria, em outras palavras, a transformar o aberto atentado ao ordenamento jurídico em direito castiço e, pior, em direito adquirido e permanente de poluir e degradar o meio ambiente” (REsp 1.284.451/MG, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 20/9/2016, DJe 20/8/2020).

Dessa forma, aplica-se a Súmula 613 do STJ: “Não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental”.

8.2.2.    Da DECISÃO.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) possui o dever-poder de fiscalizar e exercer poder de polícia diante de qualquer atividade que ponha em risco o meio ambiente, ainda que a competência para o licenciamento seja de outro órgão público.

9.     Rancho de pesca em APP e exceções previstas no art. 61-A do Código Florestal (“turismo rural” ou “ecoturismo”).

O “rancho de pesca” de uso privado, construído irregularmente em Área de Preservação Permanente – APP, não se enquadra nas exceções previstas no art. 61-A do Código Florestal (“turismo rural” ou “ecoturismo”).

AgInt no REsp 1.884.722-MS, Rel. Ministro Afrânio Vilela, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 26/8/2024, DJe 28/8/2024. (Info STJ Ext nº 22)

9.1.  Dos FATOS.

Miro construiu um rancho de pesca em uma APP, mas não se deu ao trabalho de providenciar a autorização ambiental e ainda destruiu vegetação nativa. O MP ajuizou ACP na qual requereu a demolição do imóvel, bem como a recuperação da área prejudicada.

Em sua defesa, Miro alega que o rancho seria para uso e lazer privado, o que o enquadraria na exceção do art. 61-A do Código Florestal (norma que permite atividades de turismo rural e ecoturismo em APPs).

9.2.  Análise ESTRATÉGICA.

9.2.1.    Do DIREITO.

Código Florestal:

Art. 61-A. Nas Áreas de Preservação Permanente, é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008

9.2.2.    Dos FUNDAMENTOS.

O caso versa sobre a qualificação jurídica do “rancho de pesca” construído irregularmente em Área de Preservação Permanente – APP, com supressão da vegetação nativa.

A pretensão inicial de ver o imóvel demolido, a área recuperada e os danos ambientais ressarcidos havia sido afastada pela incidência da exceção do art. 61-A do Código Florestal, ante a natureza turística do bem.

O mencionado artigo, assim dispõe: “Art. 61-A. Nas Áreas de Preservação Permanente, é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008”.

Porém, embora o acórdão na origem tenha caracterizado a destinação do imóvel como de turismo rural ou ecoturismo de pesca por ser um “rancho de pesca”, a própria parte reconhece em sua impugnação ser bem sem uso comercial. O conceito de turismo, no âmbito jurídico e das políticas públicas, demanda a presença de atividade econômica. Nos termos da Política Nacional do Turismo, as atividades turísticas, para serem assim consideradas, “devem gerar movimentação econômica, trabalho, emprego, renda e receitas públicas, constituindo-se instrumento de desenvolvimento econômico e social, promoção e diversidade cultural e preservação da biodiversidade” (art. 2º, parágrafo único, da Lei n. 11.771/2008). Essa tradição normativa é antiga e nasce no Decreto-Lei n. 55/1966, que aludia à “indústria do turismo” (art. 1º).

Assim, não há como confundir, para igualá-los, a atividade turística prevista na norma ambiental com o uso particular do bem para o lazer. Notadamente porque a jurisprudência do STJ repudia a manutenção de imóveis de veraneio privado em Áreas de Preservação Permanente (AgRg no REsp n. 1.494.681/MS, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 3/11/2015, DJe 16/11/2015).

Dessa forma, resta afastada da exceção normativa do art. 61-A do Código Florestal o rancho de pesca de uso privado, sem, portanto, uso turístico, de modo que, havendo impossibilidade de manutenção do bem irregular, sua demolição torna-se inafastável.

Por fim, sobre o tema, a jurisprudência do STJ entende que o dano ambiental pela supressão de vegetação nativa em área de preservação ambiental é presumido e sua reparação integral inclui tanto os danos permanentes quanto os intercorrentes.

9.2.3.    Da DECISÃO.

O “rancho de pesca” de uso privado, construído irregularmente em Área de Preservação Permanente – APP, não se enquadra nas exceções previstas no art. 61-A do Código Florestal (“turismo rural” ou “ecoturismo”).

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

10.  STJ e revogação das as teses em abstrato definidas no IAC 14

Estão revogadas as teses em abstrato definidas no IAC 14 do STJ, por contrariarem o entendimento firmado pelo STF no julgamento do RE n. 1.366.243/RG, submetido à repercussão geral (Tema n. 1.234).

CC 187.276-RS, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 27/11/2024, DJe 11/12/2024 (IAC 14). (Info STJ Ext nº 22)

10.1.               Dos FATOS.

Após a decisão de mérito do RE n. 1.366.243/RG, foi requerido ao STJ a revogação das teses em abstrato definidas no IAC 14 do STJ por contrariarem frontalmente o então decidido pelo Supremo.

10.2.               Análise ESTRATÉGICA.

10.2.1. Do DIREITO.

CPC/2015:

Art. 1.040. Publicado o acórdão paradigma:

II – o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior;

10.2.2. Dos FUNDAMENTOS.

O Supremo Tribunal Federal julgou o mérito do RE n. 1.366.243/RG, submetido à repercussão geral (Tema n. 1.234) e, por conseguinte, homologou os 3 (três) acordos que envolvem a União, estados e municípios, para definir os critérios de dispensação de medicamentos e tratamentos médicos no âmbito do SUS.

Determinou-se no julgamento da referida repercussão geral que a decisão vinculante produza efeitos prospectivos (ex nunc) em relação às regras de competência, mantendo-se os efeitos da medida cautelar deferida e homologada pelo Plenário do STF até a publicação do acórdão paradigma e, quanto aos demais itens dos acordos celebrados entre os entes federativos, impôs a aplicação imediata a todos os processos em curso.

Por ordem da Suprema Corte, é necessário realizar o juízo de retratação, nos termos do art. 1.040, II, do CPC/2015, para revogar as teses jurídicas em abstrato firmadas no Incidente de Assunção de Competência n. 14 do Superior Tribunal de Justiça, visto que foram todas englobadas no julgamento de mérito da repercussão geral e se mostram, em alguma medida, incompatíveis com as novas orientações estabelecidas pelo STF sobre o fornecimento de medicamentos registrado na ANVISA e não padronizados pelo SUS, notadamente sobre a maneira como a União irá assumir a posição de parte nos processos relativos à saúde.

O STJ, ao julgar o IAC n. 14, objetivou minimizar a proliferação de incidentes relacionados à competência para o julgamento das demandas de saúde e oferecer segurança jurídica até o STF decidir a matéria afetada à repercussão geral – Tema n. 1.234.

No voto condutor do IAC 14 do STJ, registrou-se expressamente que a definição, de plano, sobre a competência que deveria prevalecer (até que fosse formado o precedente no STF) seria fundamental para que se oferecesse o mínimo de estabilidade para tramitação das inúmeras ações em curso, já que a definição do juízo competente era matéria que precedia a todas as demais na análise do processo.

Ressaltou-se, naquela ocasião, que, no mérito propriamente dito, a discussão jurídica seria desenvolvida em sua completude no âmbito do STF, quando do julgamento do Tema n. 1.234, o que aconteceu.

Impõe-se o cancelamento de todas as teses estabelecidas pela Primeira Seção do STJ (itens “a”, “b” e “c” do IAC 14 do STJ), por colidirem com questões de mérito da Repercussão Geral, especificamente com a determinação do STF de que, “figurando somente um dos entes no polo passivo, cabe ao magistrado, se necessário, promover a inclusão do outro para possibilitar o cumprimento efetivo da decisão”, conforme as regras de repartição de responsabilidades estruturada no Sistema Único de Saúde.

Assim, em relação ao tema em abstrato, exerce-se o juízo de retratação previsto no art. 1.040, II, do CPC/2015, para revogar as teses firmadas no IAC 14 do STJ, por contrariar o entendimento firmado em repercussão geral (Tema n. 1.234).

Ademais, é importante registrar que a revogação em questão não deverá operar efeito retroativo, pelo que não há de modificar a solução jurídica dada aos conflitos de competência e demais incidentes que ingressaram no STJ anteriormente.

10.2.3. Da DECISÃO.

Estão revogadas as teses em abstrato definidas no IAC 14 do STJ, por contrariarem o entendimento firmado pelo STF no julgamento do RE n. 1.366.243/RG, submetido à repercussão geral (Tema n. 1.234).

11.  Alteração do estatuto social e limites da sentença em ação coletiva

A alteração do estatuto social, ampliando a categoria defendida por associação, após o ajuizamento de demanda coletiva e a prolação da sentença, não modifica os limites subjetivos da coisa julgada para que os novos substituídos possam se beneficiar do título executivo.

REsp 1.907.010-DF, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 24/9/2024, DJe 2/10/2024. (Info STJ Ext nº 22)

11.1.               Dos FATOS.

A ANFIP impetrou MS no ano de 2004 no qual intentava garantir pagamento de gratificação aos servidores aposentados na carreira de auditores-fiscais da Previdência. Em 2006, houve decisão favorável ao pedido, mas a União recorreu.

Em 2007, houve unificação das carreiras de Auditor da Receita Federal e Auditor da Previdência Social, o que levou a ANFIP a atualizar seu estatuto social para representar a nova carreira unificada. Somente em 2013 a sentença transitou em julgado.

Craudete, Auditora Fiscal da RF, iniciou a execução da sentença coletiva, mas a União alega que ela não era parte do grupo originalmente representado pela ANFIP na ocasião do ajuizamento da ação.

11.2.               Análise ESTRATÉGICA.

11.2.1. Dos FUNDAMENTOS.

A controvérsia consiste em saber se o título executivo judicial proveniente de mandato coletivo se limita aos então Auditores Fiscais da Previdência Social, que era a categoria defendida pela antiga Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social – ANFIP, quando da impetração do mandado de segurança coletivo, no ano de 2004, ou se também seriam beneficiados os integrantes da carreira de Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, criada pela Lei n. 11.457/2007, oriundos da antiga carreira de Auditor Fiscal da Receita Federal.

Em 2007, a ANFIP modificou seu estatuto social de modo a defender os interesses referentes à categoria dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, criada pela Lei n. 11.457/2007, com a fusão das antigas categorias dos Auditores Fiscais da Previdência Social e de Auditores da Receita Federal

Ocorre que tal questão não foi objeto de análise no bojo do mandado de segurança coletivo, que transitou em julgado 2013.

Nessa linha, somente a categoria dos antigos Auditores Fiscais da Previdência Social foi abarcada pela coisa julgada contida no título executivo judicial, haja vista ser ela a substituída pela então impetrante Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social – ANFIP.

Sendo assim, o mero fato de a ANFIP ter modificado seus estatutos sociais de modo a ampliar a categoria por ela defendida, em momento posterior ao ajuizamento da demanda coletiva e da própria prolação da sentença, por si só, não tema a capacidade de modificar os limites subjetivos da coisa julgada.

Admitir-se o contrário importaria no reconhecimento de que os limites subjetivos da coisa julgada não estariam delimitados pelo pedido formulado na petição inicial da ação coletiva, o que tem o condão de gerar grave insegurança jurídica, eis que bastaria a parte autora do mandado de segurança coletivo promover a modificação de seu estatuto social para que os novos substituídos pudessem se valer do título executivo.

11.2.2. Da DECISÃO.

A alteração do estatuto social, ampliando a categoria defendida por associação, após o ajuizamento de demanda coletiva e a prolação da sentença, não modifica os limites subjetivos da coisa julgada para que os novos substituídos possam se beneficiar do título executivo.

12.  Admissibilidade da intervenção como amicus curiae de instituição de caráter abrangente, composta exclusivamente por advogados, cujo interesse subjetivo guarda relação apenas com o julgamento favorável a uma das partes.

Não se admite a intervenção como amicus curiae de instituição de caráter abrangente, composta exclusivamente por advogados, cujo interesse subjetivo guarda relação apenas com o julgamento favorável a uma das partes.

REsp 2.099.872-SP, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 24/9/2024, DJe em 27/9/2024. (Info STJ Ext nº 22)

12.1.               Dos FATOS.

Tadeu, diagnosticado e internado com esquizofrenia, fugiu do hospital no qual se encontrava internado e foi atropelado logo em seguida. O inquérito policial instaurado acabo arquivado. Muito tempo depois, a mãe do rapaz ajuizou ação em face do Município, julgada procedente. Houve o afastamento da alegação de prescrição, pois o juiz entendeu que o prazo somente começaria a correr após o arquivamento do inquérito policial.

A questão chegou ao STJ, quando o Instituto FireLaw requereu a intervenção como amicus curiae, ocasião em que alegou ter como missão a defesa de direitos fundamentais e que a norma acerca da prescrição estaria sendo aplicada de forma restritiva.

12.2.               Análise ESTRATÉGICA.

12.2.1. Do DIREITO.

CPC/2015:

Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.

12.2.2. Dos FUNDAMENTOS.

O Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), ao dispor sobre as formas de intervenção de terceiros, disciplina em seu art. 138, caput, a figura do amicus curiae, nos seguintes moldes: O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.

A seu turno, o Supremo Tribunal Federal assentou a compreensão segundo a qual amicus curiae é um colaborador da Justiça que, assim, não se vincula processualmente ao deslinde da controvérsia, tampouco defende interesses próprios. (ADPF 134 MC, Rel. Ministro Ricardo Lewandoski, julgado em 22/4/2008, DJe 30/4/2008).

Desse panorama, extrai-se que a intervenção do amicus curiae caberá diante da relevância da matéria, da especificidade do tema objeto da demanda ou da repercussão social da controvérsia.

A par disso, subjetivamente, faz-se necessária a potencialidade do interveniente em fornecer elementos úteis à solução do litígio, extraída do seu histórico e de seus atributos, bem como a representatividade adequada para opinar sobre a matéria sub judice.

Assim, a participação do amicus curiae no processo ocorre e se justifica, não como defensor de interesses próprios, mas como agente habilitado a agregar subsídios que possam contribuir para a qualificação da decisão judicial, em benefício da jurisdição.

No caso em apreço, tratando-se de instituição de caráter abrangente, composta exclusivamente por advogados, cujo interesse subjetivo guarda relação apenas com o julgamento favorável a uma das partes, fica inviabilizada sua admissão como colaborador da justiça. Ademais, a matéria controversa é exclusivamente jurídica, prescindindo de informações técnicas ou científicas que demandem a sua atuação.

12.2.3. Da DECISÃO.

Não se admite a intervenção como amicus curiae de instituição de caráter abrangente, composta exclusivamente por advogados, cujo interesse subjetivo guarda relação apenas com o julgamento favorável a uma das partes.

13.  (Im)Penhorabilidade do o imóvel residencial caracterizado como bem de família em sua integralidade

É impenhorável o imóvel residencial caracterizado como bem de família em sua integralidade, impedindo sua alienação em hasta pública, salvo se se tratar de imóvel suscetível de divisão.

REsp 1.861.107-RS, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 10/12/2024. (Info STJ Ext nº 22)

13.1.               Dos FATOS.

Creide e Creiton eram casados e proprietários de um imóvel. Com o óbito de Creide, o bem foi parcialmente herdado pelos filhos do casal. Algum tempo depois, Creiton também veio a falecer, deixando dívidas tributárias que levaram o Estado a penhorar o imóvel no processo de inventário.

Os herdeiros alegaram que o imóvel deveria ser considerado impenhorável por ser bem de família. O TJ reconheceu a impenhorabilidade apenas para o filho que ainda residia no local.

13.2.               Análise ESTRATÉGICA.

13.2.1. Do DIREITO.

CPC 2015:

Art. 843. Tratando-se de penhora de bem indivisível, o equivalente à quota-parte do coproprietário ou do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do bem.

13.2.2. Dos FUNDAMENTOS.

Cinge-se a controvérsia em saber se a impenhorabilidade do bem de família alcança o bem imóvel em sua integralidade, estendendo-se a todos os herdeiros, e não somente à fração ideal do herdeiro que lá reside.

No caso, o acórdão na origem limitou a impenhorabilidade do bem deixado pelo falecido devedor apenas ao herdeiro que reside no imóvel, adotando como fundamento o art. 655-B do CPC/1973, que permitia a penhora e a alienação de bens indivisíveis por inteiro, bem como a sua adjudicação, propiciando ao credor ampliar a possibilidade de encontrar bens sujeitos à excussão para satisfação de seu crédito. Todavia, esse dispositivo preservava o direito de propriedade do cônjuge não executado decorrente do regime patrimonial.

O atual CPC aperfeiçoou essa regra e resguardou a cota-parte do bem indivisível pertencente ao coproprietário alheio à execução, ao assim dispor em seu art. 843: “Tratando-se de penhora de bem indivisível, o equivalente à quota-parte do coproprietário ou do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do bem. § 1º É reservada ao coproprietário ou ao cônjuge não executado a preferência na arrematação do bem em igualdade de condições. § 2º Não será levada a efeito expropriação por preço inferior ao da avaliação na qual o valor auferido seja incapaz de garantir, ao coproprietário ou ao cônjuge alheio à execução, o correspondente à sua quota-parte calculado sobre o valor da avaliação”.

A possibilidade de constrição e alienação do bem comum ao devedor e a terceiro não é irrestrita, seja porque parte do preço alcançado com a sua alienação deve ser reservado ao coproprietário não executado, seja porque a proteção da impenhorabilidade, ainda que somente em fração ideal, alcança o bem em sua totalidade, impedindo a sua expropriação mesmo que parcelada.

Em se tratando de bem de família, a impenhorabilidade prevista no art. 1º da Lei n. 8.009/1980 deve ser aplicada tendo em vista os fins sociais a que ela se destina, quais sejam, assegurar o direito de moradia, razão pela qual é impenhorável o imóvel residencial caracterizado como bem de família em sua integralidade, impedindo sua alienação em hasta pública, salvo se se tratar de imóvel suscetível de divisão.

Nesse sentido, o STJ possui entendimento de que “A fração de imóvel indivisível pertencente ao executado, protegida pela impenhorabilidade do bem de família, da mesma forma como aquela parte pertencente ao coproprietário não atingido pela execução, não pode ser penhorada sob pena de desvirtuamento da proteção erigida pela Lei n. 8.009/1990” (AgInt no REsp 1.776.494/SP, Relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 21/2/2019, DJe 1º/3/2019).

Na hipótese, é fato incontroverso que o imóvel constrito na execução fiscal serve de residência de um dos herdeiros, razão pela qual incide no presente caso a regra do art. 1º da Lei n. 8.009/1990, que confere impenhorabilidade ao único imóvel em que reside a entidade familiar.

Logo, constatado que a cota-parte não pertencente ao coproprietário executado encontra-se protegida pela impenhorabilidade, não se admite a constrição ou expropriação do bem, o que impede a aplicação do art. 655-B do CPC/1973, atual art. 843 do CPC/2015.

13.2.3. Da DECISÃO.

É impenhorável o imóvel residencial caracterizado como bem de família em sua integralidade, impedindo sua alienação em hasta pública, salvo se se tratar de imóvel suscetível de divisão.

14.  Competência para o cumprimento de sentença referente a honorários arbitrados por vara especializada.

O cumprimento de sentença, mesmo que referente exclusivamente a honorários, processar-se-á perante o juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição, ainda que o feito no qual foi proferida a sentença em que fixada a verba honorária tenha tramitado perante juízo de vara especializada, salvo se outro for o juízo escolhido pelo exequente.

Processo em segredo de Justiça. Rel. Ministro Afrânio Vilela, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 26/11/2024, DJEN em 29/11/2024. (Info STJ Ext nº 22)

14.1.               Dos FATOS.

Alice, adolescente com 16 anos, devidamente assistida, ajuizou ação em face do Município que veio a tramitar na Vara da Infância e Juventude. O pedido foi julgado procedente e houve condenação do Município ao pagamento de honorários sucumbenciais à Defensoria Pública, que atuou em nome de Alice.

Quando do trânsito em julgado, a DP iniciou o cumprimento de sentença na Vara da Infância e Juventude que prolatou a sentença, mas o juiz de lá entendeu que como o cumprimento abrangia apenas honorários advocatícios e em nada se relacionava aos direitos da adolescente, seria a competente a Vara da Fazenda Pública Municipal.

14.2.               Análise ESTRATÉGICA.

14.2.1. Do DIREITO.

Código de Processo Civil:

Art. 516. O cumprimento da sentença efetuar-se-á perante:

I – os tribunais, nas causas de sua competência originária;

II – o juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição;

III – o juízo cível competente, quando se tratar de sentença penal condenatória, de sentença arbitral, de sentença estrangeira ou de acórdão proferido pelo Tribunal Marítimo.

Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o exequente poderá optar pelo juízo do atual domicílio do executado, pelo juízo do local onde se encontrem os bens sujeitos à execução ou pelo juízo do local onde deva ser executada a obrigação de fazer ou de não fazer, casos em que a remessa dos autos do processo será solicitada ao juízo de origem.

14.2.2. Dos FUNDAMENTOS.

O art. 516 do Código de Processo Civil consagra a regra geral de competência para o processamento do cumprimento de sentença dos títulos judiciais e decorre do sincretismo processual, a partir do qual o reconhecimento do direito e a sua efetivação ocorrem no mesmo processo, diferindo-se apenas por fases.

A norma ainda traduz princípio consagrado na parte geral do Código, segundo o qual a competência é determinada no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta (art. 43 do CPC).

Assim, em regra, o juízo que formou o título executivo é o competente para executá-lo, estando as exceções previstas no próprio artigo de lei, de modo que somente não serão executados perante o juízo que processou a ação os títulos formados a partir de sentença penal condenatória, de sentença arbitral, de sentença estrangeira ou de acórdão proferido pelo Tribunal Marítimo ou, ainda, nos casos em que os bens sujeitos à constrição judicial se encontrarem em foro diverso ou se diverso for o foro atual do domicílio do executado.

Com efeito, segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o cumprimento de sentença, mesmo que referente exclusivamente a honorários, processar-se-á perante o juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição, ainda que o feito no qual foi proferida a sentença em que fixada a verba honorária tenha tramitado perante juízo de vara especializada, salvo se outro for o juízo escolhido pelo exequente (CC 191.185/MS, relator Ministro Afrânio Vilela, Primeira Seção, julgado em 28/2/2024, DJe de 4/3/2024.

14.2.3. Da DECISÃO.

O cumprimento de sentença, mesmo que referente exclusivamente a honorários, processar-se-á perante o juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição, ainda que o feito no qual foi proferida a sentença em que fixada a verba honorária tenha tramitado perante juízo de vara especializada, salvo se outro for o juízo escolhido pelo exequente.

DIREITO TRIBUTÁRIO

15.  Valores referentes à interconexão e ao roaming como base de cálculo das contribuições para o PIS e a COFINS.

Os valores referentes à interconexão e ao roaming (a serem repassados a outras operadoras pelos serviços prestados), arrecadados de seus usuários pelas operadoras de telefonia, por não integrarem o patrimônio da contribuinte, não configuram receita ou faturamento e, portanto, não compõem as bases de cálculo das contribuições para o PIS e a COFINS.

EREsp 1.599.065-DF, Rel. Ministro Teodoro Silva Santos, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 11/9/2024, DJe 18/9/2024. (Info STJ Ext nº 22)

15.1.               Dos FATOS.

A concessionária tchau ajuizou ação questionando a prática do fisco de cobrar PIS e COFINS sobre a interconexão e o roaming. Alega que os valores de roaming e interconexão não seriam receitas dela, mas sim das empresas parceiras, logo, incabível o pagamento sobre tais valores.

15.2.               Análise ESTRATÉGICA.

15.2.1. Dos FUNDAMENTOS.

O cerne da controvérsia está em saber se os valores recebidos pelas companhias de telefonia dos usuários e repassados a outras operadoras, a título de interconexão e roaming, devem ou não ser incluídos na base de cálculo das contribuições para o PIS e a COFINS.

A interconexão (uso compartilhado das redes locais de diferentes prestadoras de serviços de telecomunicações) e o roaming (uso compartilhado de redes de outras operadoras, fora da localidade de cobertura nacional ou internacional) visam viabilizar a utilização de redes de comunicação, compatíveis entre si, pertencentes a diferentes operadoras, de modo a permitir que o relevante serviço público de telecomunicações seja melhor prestado. Por essa razão, a lei de regência dispõe que essa espécie de compartilhamento de estruturas tecnológicas para a prestação do serviço é obrigatória pelas concessionárias.

A empresa de telefonia, ao cobrar, em fatura única, todos os serviços prestados ao consumidor, deve incluir o valor correspondente à utilização da interconexão e do roaming, valores esses que não lhe pertencem, mas, sim, a quem efetivamente prestou o serviço, ou seja, àquelas outras operadoras do sistema que disponibilizaram suas redes, por força de imposição legal, para a operacionalização das telecomunicações.

O Tema n. 69/STF, ao decidir pela inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, analisou importante aspecto da controvérsia: a definição do conceito de faturamento/receita, na qual não se insere a parcela do numerário que, embora ingresse no fluxo de caixa, não se incorpora ao patrimônio do contribuinte.

Portanto, os valores arrecadados de seus usuários pelas operadoras de telefonia referentes à interconexão e ao roaming (a serem repassados a outras operadoras pelos serviços prestados), por não integrarem o patrimônio da contribuinte, não configuram receita/faturamento e, portanto, não compõem as bases de cálculo das contribuições para o PIS e a COFINS.

É inadequado o argumento de que seria necessária expressa previsão legal para “excluir” os valores em discussão da base de cálculo das contribuições, uma vez que, se tais valores não configuram faturamento, não há falar em exclusão, mas, pura e simplesmente, em caso de não incidência das exações.

15.2.2. Da DECISÃO.

Os valores referentes à interconexão e ao roaming (a serem repassados a outras operadoras pelos serviços prestados), arrecadados de seus usuários pelas operadoras de telefonia, por não integrarem o patrimônio da contribuinte, não configuram receita ou faturamento e, portanto, não compõem as bases de cálculo das contribuições para o PIS e a COFINS.

16.  Incidência de ISSQN na prestação de serviço de habilitação de linhas telefônicas para outras sociedades empresárias

Na hipótese em que, de forma autônoma, ocorre a prestação de serviço de habilitação de linhas telefônicas para outras sociedades empresárias, e não o serviço de telecomunicação, há incidência do ISSQN.

AgInt no REsp 2.129.142-SE, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 30/9/2024, DJe 7/10/2024. (Info STJ Ext nº 22)

16.1.               Dos FATOS.

A empresa Tchau atua no mercado de telecomunicação. Quando ela não fornece os serviços de telefonia diretamente, presta habilitação a outras empresas. O município de Cobrotudo alega que sobre esses serviços dever incidir o ISSQN, ao passo que a Tchau sustenta que se trata de atividade-meio não tributável.

16.2.               Análise ESTRATÉGICA.

16.2.1. Dos FUNDAMENTOS.

Consoante pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o imposto sobre serviços – ISSQN não deve incidir sobre os serviços de atividade-meio, na hipótese em que são prestados pelas companhias telefônicas com a finalidade de, ao final, oportunizar a prestação dos serviços inerentes à atividade-fim.

No caso em discussão, a parte presta, de forma autônoma, o serviço de habilitação de linhas telefônicas para outras sociedades empresárias, mas não presta o serviço de telecomunicação.

Assim, correta a conclusão pela incidência do ISSQN na espécie, porquanto a habilitação da linha é a finalidade do serviço prestado pela parte, não havendo que se falar em atividade-meio, de modo a impedir a cobrança do tributo.

16.2.2. Da DECISÃO.

Na hipótese em que, de forma autônoma, ocorre a prestação de serviço de habilitação de linhas telefônicas para outras sociedades empresárias, e não o serviço de telecomunicação, há incidência do ISSQN.

17.  Aplicabilidade do IRPF incidente sobre RRA e aplicabilidade aos fatos geradores ocorridos antes da entrada em vigor da Lei 12.350/2010.

O regime de cálculo em separado do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (IRPF) incidente sobre rendimentos recebidos acumuladamente (RRA), prevista no art. 12-A da Lei n. 7.713/1988, na redação dada pela Lei n. 12.350/2010, não se aplica a fatos geradores ocorridos antes de sua entrada em vigor.

AREsp 1.286.096-RS, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Rel. para acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, por maioria, julgado em 12/11/2024, DJEN em 2/12/2024. (Info STJ Ext nº 22)

17.1.               Dos FATOS.

Creosvaldo, servidor público, sofreu uma perda salarial em razão da conversão da moeda em 1994. Ajuizou ação, mas somente em 2009, ao executar a sentença, foi instaurada controvérsia acerca da forma de cobrança do IRPF. Especificamente, discute-se se tal montante se soma, ainda que observado o mês de competência, aos então devidos e pagos, ou se são tributados separadamente. Isto é, se serão considerados como parcela autônoma para os fins de aplicação da tabela progressiva do imposto.

17.2.               Análise ESTRATÉGICA.

17.2.1. Do DIREITO.

Lei n. 7.713/1998:

Art. 12-A. Os rendimentos recebidos acumuladamente e submetidos à incidência do imposto sobre a renda com base na tabela progressiva, quando correspondentes a anos-calendário anteriores ao do recebimento, serão tributados exclusivamente na fonte, no mês do recebimento ou crédito, em separado dos demais rendimentos recebidos no mês.

§ 5o  O total dos rendimentos de que trata o caput, observado o disposto no § 2o, poderá integrar a base de cálculo do Imposto sobre a Renda na Declaração de Ajuste Anual do ano-calendário do recebimento, à opção irretratável do contribuinte.

17.2.2. Dos FUNDAMENTOS.

A discussão gira em torno do Imposto sobre a Renda de Pessoa Física (IRPF) incidente sobre Rendimentos Recebidos Acumuladamente (RRA) pagos em cumprimento de decisão judicial – oriundos das diferenças de URV auferidas por servidor público – relativos a ano-calendário anterior ao do recebimento, o qual se efetivou antes do advento do art. 12-A da Lei n. 7.713/1998 – acrescido pelo art. 44 da Lei n. 12.350/2010, fruto da conversão da Medida Provisória n. 497/2010.

Controverte-se acerca da metodologia de cálculo a ser utilizada em relação aos apontados RRA, especificamente se tal montante se soma, ainda que observado o mês de competência, aos então devidos e pagos, ou se são tributados separadamente. Isto é, se serão considerados como parcela autônoma para os fins de aplicação da tabela progressiva do imposto.

Cumpre anotar, desde já, que, no tocante à incidência do imposto em testilha sobre os RRA, decorrentes de rendimentos do trabalho, aplica-se, atualmente, o regime de tributação previsto no art. 12-A da Lei n. 7.713/1988.

O debate legislativo e judicial em torno dos regimes de caixa ou competência, o qual culminou com a edição da Medida Provisória n. 497/2010, posteriormente convertida na Lei n. 12.350/2010, que inseriu o art. 12-A na Lei n. 7.713/1988, passou ao largo da questão envolvendo o cálculo do tributo no tocante à tributação conjunta ou em separado do rendimento acumulado, uma vez que tal mudança normativa afiançou-se no primado da igualdade e no princípio da capacidade contributiva.

Todavia, nenhum desses aspectos compõem a lógica do mecanismo de cálculo em tela, cuja regra é, forte no que dispõe o art. 7º da Lei n. 7.713/1988, a retenção “[…] por ocasião de cada pagamento ou crédito e, se houver mais de um pagamento ou crédito, pela mesma fonte pagadora, aplicar-se-á a alíquota correspondente à soma dos rendimentos pagos ou creditados à pessoa física no mês, a qualquer título”.

Aliás, o entendimento distinto encerra desigualdade na tributação, pois o contribuinte que recebeu o rendimento no momento adequado, sem a necessidade de socorrer-se ao Poder Judiciário, recolheu o tributo tendo em consideração todos os rendimentos não albergados por tributação exclusiva, enquanto o contribuinte que necessitou da prestação jurisdicional poderá ser tributado com carga menor, diante da segregação da base de cálculo para a aplicação da tabela progressiva.

Com base nessa “diferença brutal”, consoante dicção do Ministro Marco Aurélio, redator do acórdão RE 614.406-RS, em sede de repercussão geral no Tema n. 368, o Supremo Tribunal Federal (STF) extirpou a técnica do regime de caixa, reconhecidamente aplicável ao Imposto sobre a Renda de Pessoa Física, para homenagear os princípios da isonomia e da capacidade contributiva.

Todavia, incrementar o mecanismo de cálculo daquele exemplo para acrescer a opção legislativa pela tributação em separado ensejará alíquota menor e até mesmo a isenção de uma parte do montante, valendo lembrar que a isonomia deve ser cotejada com os contribuintes daquela unidade federativa que também receberam rendimentos acumuladamente no período anterior à novel legislação.

A pessoa física que ingressa com uma demanda no Poder Judiciário não deve sujeitar-se a uma alíquota de Imposto sobre a Renda maior, menor ou gozar de isenção, sem amparo legal, justamente para se prestigiar a isonomia e a capacidade contributiva.

O fim colimado com a tributação em separado é a simplificação, sendo o efeito tangencial, como regra, a desoneração, ainda que parcial, já que a utilização dos eventuais valores de deduções somente poderá ocorrer no cálculo na circunstância de o contribuinte optar pela inclusão da tributação pela fonte na declaração anual de ajuste, tal como possibilita o § 5º do art. 12-A da Lei n. 7.713/1988 (valendo consignar que se cuida de opção irretratável).

Por derradeiro, relevante consignar que se está diante de situação residual, é dizer, trata-se de um grupo remanescente de feitos nos quais se discute tal tributação. Logo, conclui-se o entendimento no sentido de fastar a tributação em separado do Imposto sobre a Renda sobre os Rendimentos Recebidos Acumuladamente em debate.

17.2.3. Da DECISÃO.

O regime de cálculo em separado do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (IRPF) incidente sobre rendimentos recebidos acumuladamente (RRA), prevista no art. 12-A da Lei n. 7.713/1988, na redação dada pela Lei n. 12.350/2010, não se aplica a fatos geradores ocorridos antes de sua entrada em vigor.

18.  Trâmites entre juízo da execução fiscal e da recuperação judicial.

Determinados pelo Juízo da Execução Fiscal os atos de constrição judicial sobre bens e direito de sociedade empresária em recuperação judicial, sem proceder à alienação ou levantamento de quantia penhorada, a medida deve ser comunicada ao Juízo da Recuperação, que decidirá acerca da necessidade ou não de substituição da garantia.

AgInt no AREsp 2.291.153-SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 2/9/2024, DJe 5/9/2024. (Info STJ Ext nº 22)

18.1.               Dos FATOS.

A Fazenda Pública ajuizou execução fiscal em face de empresa Quebradeira, em recuperação judicial. O juízo da execução determinou a penhora de bens da Quebradeira, inclusive de maquinários essenciais à atividade, mas não autorizou a venda por entender que tal providência caberia ao juízo recuperacional.

Para agilizar, comunicou o juízo da recuperação judicial solicitando que este analisasse a essencialidade dos bens penhorados e avaliasse se a penhora comprometeria o plano de recuperação da empresa.

18.2.               Análise ESTRATÉGICA.

18.2.1. Do DIREITO.

CPC/2015:

Art. 67. Aos órgãos do Poder Judiciário, estadual ou federal, especializado ou comum, em todas as instâncias e graus de jurisdição, inclusive aos tribunais superiores, incumbe o dever de recíproca cooperação, por meio de seus magistrados e servidores.

  Art. 68. Os juízos poderão formular entre si pedido de cooperação para prática de qualquer ato processual.

  Art. 69. O pedido de cooperação jurisdicional deve ser prontamente atendido, prescinde de forma específica e pode ser executado como:

I – auxílio direto;

II – reunião ou apensamento de processos;

III – prestação de informações;

IV – atos concertados entre os juízes cooperantes.

§ 1º As cartas de ordem, precatória e arbitral seguirão o regime previsto neste Código.

§ 2º Os atos concertados entre os juízes cooperantes poderão consistir, além de outros, no estabelecimento de procedimento para:

I – a prática de citação, intimação ou notificação de ato;

II – a obtenção e apresentação de provas e a coleta de depoimentos;

III – a efetivação de tutela provisória;

IV – a efetivação de medidas e providências para recuperação e preservação de empresas;

V – a facilitação de habilitação de créditos na falência e na recuperação judicial;

VI – a centralização de processos repetitivos;

VII – a execução de decisão jurisdicional.

§ 3º O pedido de cooperação judiciária pode ser realizado entre órgãos jurisdicionais de diferentes ramos do Poder Judiciário.

Lei n. 11.101/2005:

Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica:        

I – suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta Lei;        

II – suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência;       

III – proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência. 

§ 7º-B. O disposto nos incisos I, II e III do caput deste artigo não se aplica às execuções fiscais, admitida, todavia, a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial, a qual será implementada mediante a cooperação jurisdicional, na forma do art. 69 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), observado o disposto no art. 805 do referido Código. 

18.2.2. Dos FUNDAMENTOS.

Nos termos dos arts. 6º, § 7º-B, da Lei n. 11.101/2005 e arts. 67 a 69 do CPC/2015, compete ao Juízo da Execução Fiscal determinar os atos de constrição judicial sobre bens e direitos de sociedade empresária em recuperação judicial, sem proceder à alienação ou ao levantamento de quantia penhorada.

Em seguida, deve comunicar, por dever de cooperação, a medida ao Juízo da Recuperação, ao qual compete exercer o controle e deliberar, até o encerramento do procedimento de soerguimento, sobre a substituição de ato constritivo que recaia sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial, podendo, inclusive, formular proposta alternativa de satisfação do crédito, em procedimento de cooperação recíproca.

Cumpre anotar que a Lei n. 11.101/2005 dispõe sobre a necessidade de o magistrado, quando do recebimento da inicial, ou a parte devedora, após a citação, comunicar ao Juízo da Recuperação Judicial sobre ações contra si ajuizadas (§ 6º do art. 6º). Essa providência, por lógica, é necessária à cooperação jurisdicional entre os Juízos da Execução e da Recuperação Judicial, para o fim de efetivar as medidas e providências relacionadas à recuperação e preservação da empresa.

Assim, determinados pelo Juízo da Execução os atos de constrição judicial sobre bens e direito de sociedade empresária em recuperação judicial, sem proceder à alienação ou levantamento de quantia penhorada, em observância ao dever de cooperação, a medida deve ser comunicada ao Juízo da Recuperação, momento em que, tomando ciência da constrição, decidirá pela necessidade ou não de substituição da garantia.

18.2.3. Da DECISÃO.

Determinados pelo Juízo da Execução Fiscal os atos de constrição judicial sobre bens e direito de sociedade empresária em recuperação judicial, sem proceder à alienação ou levantamento de quantia penhorada, a medida deve ser comunicada ao Juízo da Recuperação, que decidirá acerca da necessidade ou não de substituição da garantia.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

19.  Ilicitude da terceirização e responsabilidade pelo adimplemento do débito das contribuições previdenciárias

Configurada a ilicitude da terceirização, a empresa tomadora passa a ser responsável pelo adimplemento do débito das contribuições previdenciárias, em virtude da formação de vínculo empregatício direto com os empregados fictamente contratados pelas empresas interpostas.

REsp 1.652.347-SC, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, por maioria, julgado em 13/8/2024, DJe 22/10/2024. (Info STJ Ext nº 22)

19.1.               Dos FATOS.

Barrosa S.A. foi autuada em razão da sonegação de contribuições previdenciárias por meio de esquema de terceirização ilícita. A empresa contratava outras entidades, cujos sócios majoritários eram dirigentes da Barrosa, e assim recebiam maior parte de seus salários como distribuição antecipada de lucros. A empresa discorda da autuação e ajuizou ação anulatória de débito fiscal.

19.2.               Análise ESTRATÉGICA.

19.2.1. Do DIREITO.

Lei n. 8.212/1991:

Art. 33.  À Secretaria da Receita Federal do Brasil compete planejar, executar, acompanhar e avaliar as atividades relativas à tributação, à fiscalização, à arrecadação, à cobrança e ao recolhimento das contribuições sociais previstas no parágrafo único do art. 11 desta Lei, das contribuições incidentes a título de substituição e das devidas a outras entidades e fundos.

§ 3o  Ocorrendo recusa ou sonegação de qualquer documento ou informação, ou sua apresentação deficiente, a Secretaria da Receita Federal do Brasil pode, sem prejuízo da penalidade cabível, lançar de ofício a importância devida.

19.2.2. Dos FUNDAMENTOS.

O art. 33, § 3º, da Lei n. 8.212/1991, autoriza à administração tributária lançar de ofício o tributo no caso de sonegação ou deficiência de informação ou documento, de sorte que a fiscalização previdenciária tem legitimidade para tributar os efeitos econômicos decorrentes de ocultação documental da configuração relação de emprego.

Ademais, do art. 116, I, do CTN, extrai-se que, quando se tratar de situação de fato, considera-se ocorrido o fato gerador desde o momento em que verificadas as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios.

No caso, ficou demonstrada a existência de confusão patrimonial entre empresas interpostas e a tomadora, com administração de pessoal, contábil e financeira exercidas pelas mesmas pessoas empregadas daquela. Constatou-se que a tomadora, mediante prepostos, é que fazia a administração do pessoal (contratação e desligamento) das empresas interpostas.

Ademais, os sócios majoritários das referidas empresas “de fachada” são, de fato, sócios-administradores em plena atividade da tomadora e recebem a maior parte de seus salários camuflados como “distribuição antecipada de lucros”; assim como os sócios minoritários destas entidades exercem a função de supervisores dos empregados formalmente registrados nas empresas “de fachada”.

Configurada a ilicitude da terceirização, mediante pessoas jurídicas interpostas (empresas “de fachada”), com fraude, simulação e confusão patrimonial entre estas e a tomadora – principalmente na administração de pessoal – , firma-se o vínculo empregatício direto entre a tomadora e os empregados fictamente contratados pelas empresas interpostas.

Incide, assim, distinção fática (distinguishing), em relação ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF n. 324 e do RE n. 958.252, em regime de repercussão geral, que assentou a viabilidade da terceirização, inclusive de atividade-fim.

Não cabe reconhecer eficácia à conduta do contribuinte que simula negócios jurídicos com o escopo de escapar artificiosamente da tributação, dissimulando a ocorrência do fato gerador da contribuição previdenciária em seu elemento constitutivo consistente na subordinação laboral presente no vínculo firmado diretamente entre a tomadora e os empregados das empresas “de fachada”.

Evidente a ofensa às normas que embasam a autuação fiscal, na espécie, que estabelecem o conceito de segurado para fins previdenciários (art. 12, I, a, da Lei n. 8.212/1991), e o fato gerador de contribuições previdenciárias consistentes nas remunerações creditadas aos segurados empregados (artigos 20, 21 e 22, I, II e III, da Lei n. 8.212/1991), autorizando a que a administração tributária lance de ofício o tributo, diante de situação de fato que reúne as circunstâncias materiais da relação empregatícia (artigos 33, § 3º, da Lei n. 8.212/1991 e 116, I, do CTN).

Nesse panorama, negócios jurídicos fraudulentos ou simulados não atraem quaisquer efeitos jurídicos capazes de promover a pretendida redução da tributação a título de contribuições previdenciárias, devendo incidir o dever fundamental de pagar tributos – art. 145 e seguintes da Constituição Federal – (REsp n. 1.074.228/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 7/10/2008, DJe 5/11/2008)

19.2.3. Da DECISÃO.

Configurada a ilicitude da terceirização, a empresa tomadora passa a ser responsável pelo adimplemento do débito das contribuições previdenciárias, em virtude da formação de vínculo empregatício direto com os empregados fictamente contratados pelas empresas interpostas.

20.  (Im)Possibilidade do cômputo dos salários-de-benefício como salários-de-contribuição

O cômputo dos salários-de-benefício como salários-de-contribuição somente será admissível se, no período básico de cálculo – PBC, houver afastamento intercalado com atividade laborativa, em que há recolhimento da contribuição previdenciária.

AgInt no REsp 2.113.564-RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 15/8/2024, DJe 28/8/2024. (Info STJ Ext nº 22)

20.1.               Dos FATOS.

Craudete exerceu atividade contributiva até meados de 2004, entrando em gozo de sucessivos benefícios de auxílio-doença até o ano de 2017. Nesse período, recolheu uma única contribuição mensal, na qualidade de contribuinte facultativa, requerendo então aposentadoria por idade, a qual foi concedida.

Não satisfeita, ajuizou revisional por entender que o período em que recebeu auxílio-doença deveria ser computado como tempo de contribuição para melhorar o valor de sua aposentadoria.

20.2.               Análise ESTRATÉGICA.

20.2.1. Do DIREITO.

Lei n. 8.213/1991:

Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:

II – o tempo intercalado em que esteve em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez;

20.2.2. Dos FUNDAMENTOS.

Trata-se, na origem, de pedido de revisão de aposentadoria em que se busca, mediante o cômputo dos períodos em gozo de benefício de incapacidade e de tempo especial, a conversão da aposentadoria por idade em aposentadoria por tempo de contribuição ou a revisão da renda mensal inicial (RMI), o que for mais favorável.

No caso, a autora exerceu atividade contributiva até junho de 2004, entrando em gozo de sucessivos benefícios de auxílio-doença até 26/07/2017. Após, recolheu uma única contribuição em agosto de 2017, na qualidade de contribuinte facultativa, requerendo aposentadoria por idade no mesmo mês, devidamente concedida.

A questão controversa, então, reside em saber se essa contribuição como segurada facultativa faz incidir ao caso, o teor do art. 55, II, da Lei n. 8.213/1991, que estabelece: “Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segura: (…) II – o tempo intercalado em que esteve em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez”.

Com efeito, na fundamentação do acórdão paradigma do tema n. 1125 a própria questão controversa definida pelo STF já ressalvava a necessidade de atividade laborativa: “Ab initio, cumpre delimitar a questão controvertida nos autos, qual seja: saber se o período no qual o segurado esteve em gozo do benefício de auxílio-doença, desde que intercalado com atividade laborativa, deve ser computado para fins de carência“.

Assim, a textualidade do referido precedente, demanda que, para o reconhecimento como tempo de serviço do período de gozo do auxílio-doença, que este seja intercalado com atividade laborativa. Neste STJ, a orientação não é diversa.

Com efeito, no tema 704 do STJ, o acórdão do processo paradigma consignou que, nos termos do disposto nos arts. 29, II e § 5º, e 55, II, da Lei n. 8.213/1991, o cômputo dos salários-de-benefício como salários-de-contribuição somente será admissível se, no período básico de cálculo – PBC, houver afastamento intercalado com atividade laborativa, em que há recolhimento da contribuição previdenciária.

20.2.3. Da DECISÃO.

O cômputo dos salários-de-benefício como salários-de-contribuição somente será admissível se, no período básico de cálculo – PBC, houver afastamento intercalado com atividade laborativa, em que há recolhimento da contribuição previdenciária.

DIREITO EMPRESARIAL

21.  Sócio mandatário e voto em matéria que lhe diga respeito diretamente

O sócio que está na condição de mandatário não pode votar matéria que lhe diga respeito diretamente, de modo que sua cota do capital social não deve ser incluída para fins de quórum de deliberação que envolva a sua administração, inclusive quando em discussão a sua permanência ou não no cargo de administrador.

AREsp 2.462.266-RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 13/8/2024, DJe 25/9/2024. (Info STJ Ext nº 22)

21.1.               Dos FATOS.

Em uma sociedade composta por três sócios, Geremias era majoritário e administrador da empresa. Eventualmente os demais sócios descobriram que Geremias estava desviando valores da empresa. Os sócios prejudicados votaram pela destituição e tentaram registrar a ata, mas foram impedidos pelo fato de suas cotas somarem apenas 60% do capital exigido na época para a destituição do administrador (2/3 do capital social). Geremias votou contra sua destituição .

21.2.               Análise ESTRATÉGICA.

21.2.1. Do DIREITO.

Código Civil:

Art. 1.063. O exercício do cargo de administrador cessa pela destituição, em qualquer tempo, do titular, ou pelo término do prazo se, fixado no contrato ou em ato separado, não houver recondução.

§ 1º  Tratando-se de sócio nomeado administrador no contrato, sua destituição somente se opera pela aprovação de titulares de quotas correspondentes a mais da metade do capital social, salvo disposição contratual diversa.

21.2.2. Dos FUNDAMENTOS.

Cinge-se a controvérsia em saber se para fins de quórum de deliberação, deve ser computada a cota do capital social do sócio impedido de votar.

No caso, 100% das cotas aptas votaram pela destituição do administrador, ou seja, houve respeito à exigência contida na redação do § 1º do art. 1.063 do Código Civil vigente à época (a redação foi alterada apenas com o advento da Lei n. 13.792/2019), que exigia deliberação de 2/3 do capital social para aprovar a destituição do sócio administrador.

Com efeito, o art. 1.063, § 1º, deve ser lido em conjunto com o § 2º do art. 1.074 do CC/2002.

Nessa ordem de ideias, o sócio que está na condição de mandatário não pode votar matéria que lhe diga respeito diretamente e a interpretação mais adequada da norma é a de que a sua cota do capital social não deve ser incluída para fins de quórum de deliberação que envolva a sua administração, inclusive quando em discussão a sua permanência ou não no cargo de administrador.

Isso ocorre quando não há disposição específica no estatuto social tratando da forma de cômputo dos votos dos sócios nas assembleias.

Tal interpretação se mostra compatível com as reformas que o legislador promoveu no Código Civil, em particular a que reduziu a exigência de votos correspondentes a 2/3 para mais da metade do capital social, para fins de destituição do administrador.

Em caso análogo, a Quarta Turma do STJ decidiu pela aplicação da regra do § 2º do art. 1.074 do CC/2002 para que o capital social de sócio excluendo não fosse computado no quórum de deliberação de matéria que lhe diga respeito (REsp 1.459.190-SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 15/12/2015, DJe de 1/2/2016).

Ora, a lógica empregada em caso mais grave (exclusão de sócio da própria sociedade) pode perfeitamente ser empregada em caso menos grave (exclusão de sócio do posto de administrador).

Assim, o quórum de deliberação não deve levar em conta a cota do sócio administrador, pois impedido de votar matéria que lhe diga respeito diretamente.

21.2.3. Da DECISÃO.

O sócio que está na condição de mandatário não pode votar matéria que lhe diga respeito diretamente, de modo que sua cota do capital social não deve ser incluída para fins de quórum de deliberação que envolva a sua administração, inclusive quando em discussão a sua permanência ou não no cargo de administrador.

STJ – informativo Ext 22 STJBaixar

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