Vandal dá detalhes exclusivos sobre “VANGUARDAH” e reafirma a verdade como alicerce: “não me adequo ao roteiro deles”

Vandal
Crédito: Caroline Lima

O rapper Vandal nunca precisou da validação alheia para seguir seu caminho. Baiano até a raiz, ele se moldou entre o grafite, a pixação e as ruas de Salvador, absorvendo a cidade como uma entidade viva e transformando essa vivência em música. Sua arte nunca foi produto de concessões; ao contrário, é um reflexo cru da sua trajetória, sem suavizações para caber em moldes pré-estabelecidos. Agora, com VANGUARDAH, seu futuro primeiro álbum de estúdio, ele quer reafirmar essa essência, entregando um projeto que desafia convenções e se recusa a ser encaixado nos formatos pasteurizados da cena atual.

Diferente de muitos que almejam o topo a qualquer custo, Vandal sempre soube que sua caminhada exigiria mais. Ele viu a indústria criar atalhos para outros, enquanto a ele restava o caminho mais longo e árduo. Não houve campanha para enaltecê-lo, não houve esforço coletivo para colocá-lo nos holofotes. Seu legado, no entanto, é inegável: suas mixtapes influenciaram sonoridades, abriram caminhos e serviram como referência para uma geração que hoje se espelha nele, mesmo que nem sempre admita.

Sua discografia já evidencia esse pioneirismo. Em 2015, lançou TIPOLAZVEGAZH, a primeira mixtape de grime do Brasil, um trabalho que traduziu sua vivência em Salvador para um universo sonoro completamente inédito no país. A fusão do ritmo britânico com a atmosfera caótica e vibrante da capital baiana resultou em um projeto coeso e original do início ao fim, que destoava do que se fazia na época e fincava os alicerces do que viria depois. Seis anos mais tarde, em PHODI$MO MIXTAPE, VOL. 1, ele expandiu ainda mais suas referências, entregando um projeto de 34 faixas, sem perder a identidade e a contundência que sempre marcaram sua trajetória.

Previsto para o primeiro semestre deste ano, VANGUARDAH é um divisor de águas. Não apenas pelo investimento artístico e financeiro que Vandal fez no projeto, mas porque o disco carrega uma missão. Ele representa a valorização da própria arte em sua forma mais genuína, a recusa em ser moldado pelas regras impostas pelo mercado. A sonoridade afro-baiana, a carga espiritual, a arquitetura de Salvador traduzida em música—tudo converge para um álbum que promete ser mais do que uma coleção de faixas, mas é uma afirmação.

Ser verdadeiro tem um preço. E Vandal sempre esteve disposto a pagá-lo.

TMDQA! entrevista Vandal

Você é um artista que tem um legado, mesmo sem o reconhecimento de outros artistas da cena. Como você enxerga esse seu legado dentro do rap nacional?

Eu acho que o termo certo é como eu me enxerguei ou como eu me enxergava. A gente vive, primeiro, nossa guerra interna, no campo artístico principalmente, porque há o desejo para que o trabalho chegue nas pessoas, seja enaltecido. Eu tinha muitos anseios no começo da carreira.

Desde quando eu fazia grafite já havia essa busca por reconhecimento e, quando botava a cabeça no travesseiro, era a pior parte de todas, porque eu esperava mais. Hoje eu vejo que há uma campanha feita para outros artistas. Sempre questionam o motivo de não ter chegado em certos lugares, mas também nunca foi feita uma campanha em relação a mim. Eu sempre fui “escanteado”.

Quando eu percebi que eles têm a preferência de esperar que surgisse alguém no Rio ou em São Paulo, que se assemelhasse a minha sonoridade, para começar a enaltecer, eu desisti de dar murro em ponta de faca. Então eu desopilei, pra ficar bem comigo mesmo e entendi que eu não precisava dessas pessoas. Os artistas sabem que eu tenho um perfil diferente, eu sou um baiano contundente, enquanto eles preferem enaltecer o meme, alguém que não tem a filosofia de vida que eu tenho, que é a de enfrentamento.

Apesar dessa desvalorização, você tem dois discos já lançados, TIPOLAZVEGAZH e PHODI$MO MIXTAPE, VOL. 1, que ocupam um lugar de pioneirismo e indicador de tendências na cena, certo?

Olhando pra minha discografia até aqui, eu sei que minhas mixtapes encabeçaram muita coisa dentro do país. O VANGUARDAH, que vai sair em breve, é um disco de estúdio, que demandou um suor artístico e financeiro absurdo da minha parte. Eu tenho um amor exacerbado pela arte e se as coisas que eu gosto, tanto materiais quanto de acesso, são diferentes desses artistas que estão aí, eu não vou me colocar num campo de frustração que eu me colocava anteriormente.

Eu sou muito metódico em tudo que eu faço, eu preciso entregar primeiro algo que crie essa linha histórica, para depois entregar algo que realmente tenha uma contundência, uma relevância. Então, meu trabalho é um trabalho a longo prazo. Isso vai ser falado por outras pessoas, não por essas que estão aí.

Meu papel dentro disso tudo é continuar focado, trabalhando, não deixar o meu nível de entrega artística cair, a minha personalidade ser corrompida pelas entregas que estão sendo feitas atualmente, dentro desse modal financeiro que eles colocaram, porque seguirei fazendo o que faço de melhor: me manter verdadeiro. Isso nunca pode ser tirado de mim.

O ‘LazVegaz’ é um projeto que daqui a cinco, dez ou vinte anos, as pessoas vão revisitá-lo e entender a linha de tempo. Eu já tenho mais dois trabalhos mentalizados: Festa de Largo, que vai ser meu segundo disco de estúdio, e Perfume, que é o terceiro disco.

Quando você fala sobre se manter verdadeiro, me chama a atenção sobre como você não negocia esse valor. A palavra “verdade” não é só figurativa, ela é um alicerce pra sua carreira. Paralelo a isso, você mostrou muita mentira na cena nos versos de “Aracnídeo”, no álbum do Sabotage. Qual é o ônus e bônus de ser tão de verdade?

Alguém vai ter que pagar o pato, alguém vai ter que dar a cara tapa, alguém vai ter que suar mais. Dentro desse jogo específico de música, eu acredito que esse era o único lugar que eu poderia me encaixar porque eu já era assim, eu não conseguiria me reinventar para me colocar num perfil para ser aceito pelos que estão aí, não tinha como. Eu não sou o cara que aceitaria ser um meme ou me diminuir para poder estar dentro do roteiro dos outros.

É um bagulho que é muito peculiar porque vem da minha história de vida, da minha relação com os mais antigos, da minha relação com o crime, que é diferente do que os outros vivem narrando por aí. O Vandal nunca poderia ser outra coisa pela minha linha de tempo de vida, do crime, do grafite, da pixação, das relações sobre como Salvador se comporta. Eu não conseguiria ser o cara que está ali renegando todas as suas coisas para conseguir estar adequado dentro de um roteiro.

“Aracnídeo”, como você citou, acho que foi um grande grito. Você viu, depois dessa música, geral mudou discurso. Realmente os trappers andam com seguranças que são policias militares e civis, porque alguém precisa proteger o dinheiro de quem não tem rua, de quem não tem vivência na pista.

Inclusive, não rolou uma campanha em relação ao Aracnídeo, ao exemplo da própria Sulicídio, onde se endeusou os artistas que que participaram da faixa e terminou no que terminou. Eu observei muito o contrário, onde MC’s jogaram outras pautas no ventilador pra tirar o foco dos pontos que eu trouxe.

Eu poderia ter usado “Aracnídeo” pra tentar fazer um hit, ganhar um pouquinho mais de dinheiro e, de repente, ser abraçado pelos outros e tal, mas eu vou abraçado por um processo que não é verdadeiro, vai adiantar de quê pra mim, sabe? Eu prefiro manter a minha verdade, que dói, mesmo que eu não tenha os acessos dessas outras pessoas. Eu coloco a cabeça tranquila no travesseiro.

Agora, você vem com o VANGUARDAH. Ser vanguarda significa estar um passo à frente do restante. O que esse projeto tem de inovação, de novidade? O que você tem preparado para esse disco?

Tenho certeza que o VANGUARDAH será diferente de tudo que está sendo feito dentro das entregas de rap. Depois de tudo que foi lançado, depois de tudo que foi esmiuçado, eu acho que o rap nacional chegou num limite, ele chegou num limiar. Os artistas só vão até um ponto. Os caras têm muito dinheiro e estão fazendo o mesmo clipe há mais de cinco anos.

A gente enaltece tanto ali o Kendrick Lamar, o Tyler, The Creator, e quando nossos artistas tem acesso financeiro, continuam fazendo o mesmo disco durante cinco anos. Isso só serve para multiplicar dinheiro. O dinheiro que eu ganhei em show, o dinheiro que eu ganhei das minhas rodagens de vida, eu investi em arte. E isso é uma lição que eu quero que fique para as pessoas que acompanharam o disco e para os artistas novos entenderem que é possível reaplicar o dinheiro na própria arte, pagar um músico, um sample.

Então esse é o grande lance que eu quero deixar com o VANGUARDAH também. Eu sou um escravo da arte. VANGUARDAH vai ser um divisor de águas, porque o investimento que eu fiz foi maior. Eu pude entregar uma mix e master melhor, eu pude entregar um audiovisual melhor, eu pude entregar uma construção artística muito mais sofisticada porque eu tive como investir. Os discos de antes foram feitos mais como uma pesquisa a nível global.

E o que você trará na sonoridade do VANGUARDAH? Quais são os pilares sonoros desse disco?

A sonoridade dele é algo que posso batizar como uma sonoridade afro-baiana. Eu fiz uma visita a tudo que a gente sempre teve na nossa história. Eu quis respeitar quem veio antes, respeitar o passado.

Eu acho que o VANGUARDAH, ele vai ser rotulado de várias formas. Vão dizer isso aqui é coisa, que é um afro-barroco, rap contemporâneo, essas coisas. Ainda assim, é o mesmo Vandal com as mesmas letras, com contundência e com uma profundidade que é diferente da cena.

Eu tenho um corpo sonoro agraciado na cozinha do Baiana System e também da Orquestra Afrosinfônica, com o maestro Ubiratan Marques, que é alguém que eu considero como um grande presente que eu tive minha vida. Eu sou um puxador de história, de vida, de arte e, dentro do VANGUARDAH, eu me coloco como esse puxador de todo esse processo musical que a gente tem dentro da música. Seria muito bizarro da minha parte ter esse privilégio de estar dentro de um celeiro musical absurdo e fazer o mais do mesmo.

Eu quero entender o papel de Salvador no conceito desse álbum. Como a capital baiana se encaixa nesse disco e na narrativa que permeia o projeto?

A palavra conceito tem perdido o sentindo, né? Mas a minha relação com Salvador é muito difícil de ser explicada, porque eu sou a cidade personificada. É uma parada que ninguém vive essa cidade da forma que eu vivo.

O VANGUARDAH, ele traduz Salvador num perfil de religiosidade, que é essa carga de religiosidade que eu apresento em todo o meu trabalho praticamente, dessa relação que eu tenho com a irmã Dulce. Dentro do disco, eu abordei muito essa questão da arquitetura de Salvador, porque eu precisava trazer isso. Ao mesmo tempo, eu saí muito dos símbolos padrões da cidade, mas que não saísse como caricato, como piegas. Por isso foi até difícil encaixar participações no disco.

O álbum tem feat, mas com artistas que nunca fizeram nada com rap, por uma opção minha. Quero que esse disco construa o seu próprio espaço dentro da história. A maior vitória pra mim é que não tem outro MC rimando no projeto. Pra mim foi um alívio, um respiro, porque eu não queria lidar com o ego, sabe?

VANGUARDAH não vai apresentar uma narrativa no qual as pessoas entendam ali como, sei lá, um tema estabelecido. Esse disco fala de fé, fala de amor, fala de religião. Esse disco, ao mesmo tempo, ele permeia pelo passado, pelas minhas histórias de vida, da minha relação estreita que eu tive com o crime. O VANGUARDAH é um universo, tem tanta coisa dentro desse disco que eu até me surpreendi.

Para finalizar, o que te surpreendeu ao ver o resultado final do VANGUARDAH? E, ao mesmo tempo, como esse disco pode ser um novo ponto de partida pra você e a sua carreira?

Esse trabalho é absurdamente especial, porque eu consegui me testar enquanto ser humano, eu consegui me testar enquanto artista. Eu consegui provar pra mim mesmo que era possível. Eu consegui me manter nas minhas convicções. Eu perdi pessoas. Pessoas saíram da minha vida, o que dói demais até hoje. Mas eu também ganhei pessoas, que entraram na minha vida. Então, as alegrias vieram.

É uma referência da própria dor de vida, mesclada a própria alegria de vida. Eu acho que esse é o grande ponto, e que até muitos artistas erram. Os artistas apagam o seu passado. Mas todo mundo tem sua particularidade, que eu acredito que é isso que eu consigo mostrar. E esse disco, eu vou fazer com que as pessoas interiorizem e digam: cara, ele sofreu tanto, ele é teimoso, mas ele entregou.

O VANGUARDAH é um passo de algo maior. Eu quero colocar na cabeça, principalmente, dos artistas novos que eles entendam o potencial que têm, entendam que eles podem mais. Quero que sejam fieis a eles mesmo.

O post Vandal dá detalhes exclusivos sobre “VANGUARDAH” e reafirma a verdade como alicerce: “não me adequo ao roteiro deles” apareceu primeiro em TMDQA!.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.