Pesquisa mostra aumento no discurso de ódio contra imigrantes em Portugal. “Volta para sua terra. Dói muito ouvir isso”

Pesquisa divulgada na segunda-feira (03/02) pela Casa do Brasil de Lisboa aponta que 79,8% dos imigrantes que vivem em Portugal dizem ter sido vítimas de discursos de ódio, sendo que a maioria dos respondentes é de brasileiros (83,6%). E a internet aparece como principal meio usado para os ataques. O levantamento, denominado Discurso de Ódio e Imigração em Portugal, foi realizado por meio do projeto Migramyths — Desmistificando a Imigração, que está na sua quinta edição.

Segundo a pesquisa, 32,4% das pessoas ouvidas disseram que foram vítimas de ódio online, sobretudo, por meio das redes sociais Instagram, X (antigo Twitter) e Facebook. Outros 20,9% dos participantes relataram ter sofrido discriminação nos serviços públicos, sendo os centros de saúde, com 15,2%, os locais onde mais se verificaram manifestações de intolerância. Na sequência, aparecem as universidades (12,8%), os hospitais (12,2%), os transportes (10%), as Finanças (9,5%), as escolas (7%), as Juntas de Freguesia (6,5%) e a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (6%).

Nos serviços privados, os imigrantes que participaram da pesquisa destacaram os restaurantes como locais onde mais ocorrem ataques de ódio: 22,8% dos respondentes afirmaram ter sido agredidos. No comércio como lojas, o índice ficou em 16%, aparecendo na sequência os supermercados (15,6%), as imobiliárias (10,3%) e os bancos (9,1%).

Coordenado pela cientista política Ana Paula Costa, presidente da Casa do Brasil, o levantamento ressalta que, dos ataques de ódio, a xenofobia predomina, com 66,4% dos relatos. Depois, aparecem a misoginia (15,3%), o racismo (11,5%) e a LGBTfobia (4,7%). Para 77,8% dos entrevistados, diante do crescimento do movimento anti-imigração em Portugal, os discursos contra imigrantes têm se tornado mais fortes.

“Assim como ocorreu em outros países, Portugal tem vivenciado um aumento na polarização política e maior politização das migrações. Movimentos populistas e extremistas têm explorado temas como religião e identidade nacional, gerando debates desinformados e, muitas vezes, discursos de ódio direcionados às pessoas migrantes”, frisa o relatório Migramyths.

O documento assinala, ainda, que “os desafios econômicos e as desigualdades sociais vivenciadas em Portugal, representadas, sobretudo, na crise da habitação, podem amplificar sentimentos de frustração, ressentimentos sociais e ansiedade na população”. E complementa: “Em contextos como esse, as pessoas migrantes frequentemente se tornam alvos de discursos de ódio, sendo injustamente culpadas por problemas estruturais, apesar de contribuir significativamente para o país”.

Relatos de ódio

No relatório da pesquisa, são destacados relatos dos participantes, que, em maioria, são mulheres (74,4%), de cor branca (63,7%), com curso superior completo (88,6%) e moradores de Lisboa (55,3%).

“Estava com mais 4 amigas na Pink Street e, do nada, fomos abordadas por seguranças dos bares que começaram a nos agredir fisicamente, e a gritar que ‘brasileira é tudo puta e arruaceira’ e que ‘não deveríamos estar ali’. Chamamos a PSP e, ainda na viatura, os policiais disseram que, se fossemos, para a esquadra, íamos ser deportadas por não termos documentos (só estava em Portugal há 7 meses e não sabia dos meus direitos). Optamos por pular do carro em movimento, e os policiais ficaram rindo da nossa cara e foram embora.”

(Nacionalidade brasileira, 35-39 anos, Feminino, Ensino superior completo, Solteira, Latina, residente em Setúbal).

“São diários os episódios, evito ao máximo abrir a boca fora de casa. As piores agressões que sofri ocorreram dentro da Universidade (mestrado) e em atendimentos médicos.”
(Nacionalidade brasileira, 40-44 anos, Feminino, Ensino superior completo, Casada, Residente nos Açores).

“Em um supermercado a porta do meu carro bateu no carro vizinho e esperei a pessoa para me responsabilizar pelo conserto. Era uma mulher com criança e me senti segura para me apresentar e dizer que pagaria pelo conserto. Fui xingada com palavrões e terminei espancada com um murro na nuca.”
(Nacionalidade brasileira, 60 anos ou mais, Feminino, Ensino superior completo, Divorciada, Branca, Residente em Lisboa).

“Fui chamada de prostituta dentro do meu prédio por dois vizinhos, que também amarraram fezes na minha porta alegando que tinha animais. (Nunca tive animais). O mesmo vizinho roubou pertences na porta do meu apartamento.”
(Nacionalidade brasileira, 35-39 anos, Feminino, Ensino superior completo, Solteira, Negra, Residente em Lisboa).

Para a presidente da Casa do Brasil, “as consequências do discurso de ódio são profundamente prejudiciais para as pessoas migrantes, mas a sua normalização representa um grave risco para a sociedade como um todo”. No entender dela, “esta realidade reforça a urgência de se implementar ações concretas para combater o discurso de ódio, promover a igualdade e proteger os direitos humanos, reforçando, também, a implementação das políticas de acolhimento e coesão social”.

Da Redação Na Rua News

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